«(…) Não fora sem custo que Lopo chegara à posição de rico-homem. O nobre mais poderoso da corte e senhor de Ferreira de Aves. Não havia conselheiro mais próximo do monarca português, na guerra, na paz, na diplomacia e nas leis. Chegado a dona Beatriz e à rainha-mãe, dona Isabel, Afonso preparava-se para também lhe entregar a responsabilidade sobre Pedro, o herdeiro, fazendo-o mordomo-mor do infante. De muitos trabalhos e favores ao monarca se fizera a sua notável ascensão, desde as origens na pequena nobreza de província, ao topo da hierarquia da corte de Afonso IV. Os ressentimentos abundavam na velha nobreza de corte, preterida por um recém-chegado, que de todas as formas exibia a sua influência. Alardeava pelos paços túnicas compridas e belos mantos, que deixavam propositadamente à vista uma fabulosa espada embainhada. Afonso IV, rigoroso até nas vestes que permitia às diferentes classes sociais, matéria sobre a qual andava tentado a introduzir rígida legislação, fechava os olhos à ostentação do amigo e conselheiro, com a habitual cegueira dos monarcas aos favoritos.
Portugal é um reino em paz e assim
deve permanecer, disse o rei, como se falasse sozinho. Precisava da lealdade da
nobreza de Portugal. Mas não só. Dos reinos vizinhos. deveria aproximar-se dos maiores
entre os maiores. E que fossem inimigos do rei de Castela.
Depois de resolvido o embaraço
com a infanta Branca, conseguida a anulação do Papa e a decisão de enviar a desgraçada
para servir' Deus na sua terra quando fosse propício, libertando Pedro para outro
matrimónio, aí estava a prova de que a paz entre Portugal e o reino de Afonso XI
nunca era uma garantia.
Impetuoso, o orgulho e o ódio faziam
mover as intenções do rei português. Tinha de defender Portugal, era a preocupação
que não o largava. Habituado a olhar por cima do ombro para se acautelar da
traição, gostava de se sentir um rei de decisão firme e justo. Mas o que lhe revolvia
as entranhas era outro assunto: a infelicidade da filha tornara-se o mais difícil
de suportar.
O passar das luas não trouxe sossego.
Afonso IV reunira os conselheiros. O herdeiro de sua filha Maria morrera, nem um
ano chegara a completar. A rainha de Castela voltara a apelar ao pai, a
humilhação redobrada com o desgosto de lhe ter finado o pequeno infante nos braços,
enquanto via medrar, sadios e ruidosos, os bastardos, todos varões, de seu marido
e de Leonor de Gusmão.
El-rei mostrava-se dominado pela
angústia, ainda que o seu punho continuasse a assinar as últimas leis. Todas as
áreas do reino mereciam a atenção do monarca. Releu o esboço das últimas propostas
redigidas. A que lhe tomava maior atenção naquele momento era a protecção da saúde
dos seus vassalos. Afonso estava bem informado de como charlatães de toda a
espécie, que se intitulavam físicos, cirurgiões ou boticários, vendiam serviços
aos pobres incautos. Insisto numa certificação real, afirmou o monarca. Não vejo
outra forma de travar os grandes danos que os falsos curandeiros trazem ao povo».
In
Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera
dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.
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