segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Largada das Naus. António Borges Coelho. «Nunca os concelhos intervieram tão activa e decisivamente na política nacional. Nos cinquenta anos em que João I governou, as Cortes reuniram-se vinte e oito vezes, mais vezes do que em todos os reinados dos séculos XIV e XV»

jdact

Tempos de Boa Memória (1383-1433)

«A convulsão social, as guerras, a fome, a desvalorização brutal da moeda não ofuscaram a boa memória do rei João. Os sucessos obtidos no campo político e militar refundaram a independência do reino e criaram um capital mítico que rendeu até aos nossos dias.

Nos anos da revolução, as oportunidades de ascensão social permitiram que um escudeiro de quatro rocins, embora filho de mestre e neto de arcebispo, pudesse criar, quase do nada, o maior senhorio de Portugal. Um tanoeiro alçou-se a alcaide da cidade de Lisboa. Um cavaleiro mercador e corsário. filho e neto de mercadores, tornou-se rico-homem, capitão-mor do mar, alcaide-mor de Lisboa, conde de Abranches. na Normandia. e cavaleiro da Ordem da Jarreteira.

Lançaram-se dez pedidos gerais para as despesas da guerra; gastaram-se 280 000 dobras na conquista de Ceuta, 500 000 em casamentos, viagens, expedições às Canárias. descerco de Ceuta; armaram-se frotas; iniciaram-se obras monumentais como a do mosteiro da Batalha; a moeda desvalorizou, segundo Costa Lobo, 1109 vezes. A Coroa e a economia resistiram. Alguns reais de prata, cunhados nos dias da revolução, foram pendurados ao pescoço como talismã.

As queixas principais vieram dos fidalgos. Os senhorios recebiam a renda em dinheiro e deixavam uma parte maior dos excedentes nas mãos dos produtores. Com os excedentes animavam-se as feiras e o comércio. Por outro lado, os concelhos das cidades e das vilas que, de armas na mão e com o dinheiro da sua bolsa, sustentaram a parte maior da guerra, não se esqueceram de pugnar pela libertação dos tributos feudais que oneravam a produção e o desenvolvimento de uma economia progressivamente mercantil.

Assinado o tratado de paz em 1411, o Conselho Régio decidiu em ordenança um efectivo militar de 3200 lanças, assim distribuídas: Capitães 500, Escudeiros de uma lança 2360, Ordem de Cristo e Ordem de Santiago 100 cada, Ordem de Avis e do Hospital 80. Os escudeiros de uma lança subiam a mais de dois terços dos efectivos. O capitão e ex-juiz de Lisboa Antão Vasques comandara mais de 70 lanças, algumas de fidalgos de linhagem. Vemos bem de que lado social estava a força.

As Cortes

Nunca os concelhos intervieram tão activa e decisivamente na política nacional. Nos cinquenta anos em que João I governou, as Cortes reuniram-se vinte e oito vezes, mais vezes do que em todos os reinados dos séculos XIV e XV. Realizaram-se em dez cidades e vilas: à cabeça, Lisboa, Coimbra, Santarém, mas também em Viseu, Braga, Guimarães, Montemor-o-Novo e Estremoz». In António Borges Coelho, Largada das Naus, História de Portugal, 1385-1500, Editorial Caminho, 2011, ISBN 978-972-212-464-5.

Cortesia de ECaminho/JDACT

JDACT, António Borges Coelho, Ceuta, Cultura e Conhecimento, História, Descobrimentos,