«No entanto, ao cabo de uns minutos de olhar sem ver, notei uma pessoa. Notei-a porque, ao contrário das demais, durante todos aqueles minutos não se movera nem passara ou desaparecera de meu campo visual, mas permanecera parada no mesmo lugar, uma mulher de uns trinta anos vista de longe, com uma blusa amarela de decote arredondado, uma saia branca e sapatos de salto alto também brancos, levando no braço uma grande bolsa preta, como as que as mulheres usavam em Madrid na minha infância, bolsas grandes penduradas no braço e não no ombro, como agora. Estava esperando alguém, sua atitude era de espera inequívoca, porque de vez em quando dava dois ou três passos para um lado ou outro, e no último passo arrastava ligeiramente e com celeridade o salto no chão, um gesto de contida impaciência.
Não
se encostava na parede, como costumam fazer os que esperam para não atrapalhar
os que não esperam e passam; mantinha-se no meio da calçada, sem se mexer além
de seus três passos medidos que a levavam de volta sempre ao mesmo lugar, e por
isso tinha problemas para se esquivar dos transeuntes, um lhe disse alguma
coisa e ela respondeu com raiva e ameaçou-o com a volumosa bolsa. De vez em
quando olhava para trás flexionando uma perna e com a mão alisava a saia justa,
como se temesse que alguma prega lhe enfeasse a nádega, ou talvez ajustasse a
calcinha insubmissa através do tecido que a cobria.
Não
olhava para o relógio, não usava relógio, talvez se orientasse pelo do hotel,
que estaria acima da minha cabeça, invisível para mim, com rápidas olhadas que
eu não percebia. Pode ser que o hotel não tivesse relógio dando para a rua e
ela nunca soubesse a hora. Pareceu-me mulata, mas eu não podia garantir de onde
me encontrava.
De
repente a noite caiu, quase sem aviso, como acontece nos trópicos, e, embora o
número de passantes não tenha diminuído de imediato, a perda da luz me fez
vê-la mais solitária, mais isolada e mais condenada a esperar em vão. Quem ela
esperava não chegaria. Com os braços cruzados, apoiava os cotovelos nas mãos, como
se a cada segundo que passava aqueles braços pesassem mais, ou talvez fosse a
bolsa que aumentasse de peso. Tinha pernas robustas, adequadas para a espera,
que se cravavam no pavimento com seus saltos muito finos e altos ou agulha, mas
as pernas eram tão fortes e atraentes que assimilavam aqueles saltos e eram
elas que se cravavam solidamente, como faca em madeira molhada, cada vez que
tornavam a se deter no ponto escolhido após o mínimo deslocamento para a
direita ou para a esquerda.
Os
calcanhares sobressaíam dos sapatos. Ouvi um leve murmúrio, ou era um gemido,
procedente da cama às minhas costas, de Luisa doente, de minha mulher
recém-contraída que tanto me interessava, era minha incumbência. Mas não virei
a cabeça porque era um gemido que vinha do sono, aprende-se a distinguir logo o
som adormecido da pessoa com quem se dorme. Nesse momento a mulher da rua
ergueu os olhos para o terceiro andar em que eu me encontrava e acreditei que
fixava sua vista em mim pela primeira vez. Espiou como se fosse míope ou
estivesse com lentes de contacto sujas e olhou desconcertada, fixando a vista
em mim e desviando-a um pouco e piscando os olhos para ver melhor e de novo
fixando-a e desviando-a. Então levantou um braço, o braço livre da bolsa, num
gesto que não era de saudação nem de aproximação, quero dizer de aproximação a
um estranho, mas de apropriação e reconhecimento, coroado por um remoinho veloz
dos dedos: era como se com aquele gesto do braço e o volteio dos dedos rápidos
quisesse segurar-me, mais segurar-me do que atrair-me até ela.
Gritou
algo que eu não podia ouvir devido à distância e tive a certeza de que gritava
para mim. Pelo movimento dos lábios apenas adivinhados pude entender a primeira
palavra, e essa palavra era Ei!, pronunciada com indignação, como o
resto da frase que não chegava a mim. Enquanto falava pôs-se a andar; para se
aproximar, tinha de atravessar a rua e percorrer a ampla esplanada que de nosso
lado separava o hotel da rua, afastando-o e salvaguardando-o assim um pouco do
trânsito». In Javier Marías, Coração Tão Branco, 1992, Relógio D’Água, 1994, ISBN
972-708-247-5
Cortesia do RelógioD’Água/JDACT
JDACT, Javier Marías, Literatura, Espanha, Narrativa,