quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «Vejo que sois teimoso, mas também resistente, disse. O cavaleiro da Terra Santa estendeu o braço e ofereceu-lhe um cantil com água. Depois de saciado, Ramiro agradeceu e declarou decidido: Não vou voltar para Viseu»

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NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.

 

Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

«Naquela noite, Ramiro levou apenas o arco e as flechas, e correu pelas ruas, saindo por uma das portas da muralha. Já na estrada, além de vários mendigos que se arrastavam, gemendo enregelados, viu uma mulher, que caminhava à sua frente. Era alta e forte, e estava enrolada num manto, para se proteger do frio da noite. Ao ouvir passos, virou-se para ver quem a seguia e Ramiro perguntou-lhe pelos homens de Gondomar. Acho que já partiram, informou ela.

Disse que se chamava Elvira e sorriu levemente quando Ramiro lhe perguntou onde podia encontrar uma montada. Ides roubar um cavalo? Não era boa ideia, explicou, amanhã seria procurado como ladrão. Curiosa, Elvira questionou-o: Porque quereis fugir?

Num arremesso de honestidade só possível perante estranhos, Ramiro contou-lhe a verdade. A normanda suspirou, desalentada. Quem me dera ir convosco, mas eles só levam homens. Intrigado, Ramiro perguntou-lhe se estava enamorada de alguém, mas ela apenas encolheu os ombros. Ninguém me quer.

Depois, como se não quisesse falar mais sobre ela, disse ao rapaz que corresse, pois era possível que os homens de Gondomar ainda estivessem perto, e ele assim fez. Lançou-se estrada fora, passou pela estalagem e prosseguiu durante mais de uma légua. Quando estava quase a desistir, viu à sua frente uns vultos.

O som dos seus apressados passos avisou-os, e viu-os a pararem à sua frente, temendo talvez um assalto. À medida que se aproximava, Ramiro contou quatro cavalos, mas só Gondomar estava sozinho no seu, os outros seis homens formavam duplas nos três cavalos restantes. Ouviu o velho de manto branco perguntar: Quem vem lá?

Ramiro apresentou-se como filho bastardo de Paio Soares, dizendo que desejava juntar-se a eles. Intrigado, Gondomar questionou-o: Vosso pai conhece essa vontade? O rapaz pensou em mentir, mas decidiu não o fazer. Sou bastardo, trata-me como um cão, ou uma besta de carga. Houve alguns sorrisos entre os homens, mas Gondomar recordou: Paio Soares é o novo mordomo-mor do Condado. Lembro-me de o ouvir dizer que precisava de vós. Não quero problemas. Regressai a Viseu. Se ele vos deixar vir, podereis ir ter connosco. Contrariado, Ramiro mordeu o lábio. Só precisa de mim para me bater. Gondomar não se comoveu com o queixume. Isso é entre vós.

Dito isto, rodou o cavalo e os outros seguiram-no. O rapaz ficou a vê-los afastarem-se, desanimado, mas quando eles desapareceram no escuro decidiu continuar a segui-los. Manter-se-ia na peugada dos cavaleiros, pelo menos até chegarem a Coimbra, o que lhes levaria talvez dois dias. Estava determinado e, embora um pouco cansado da corrida, convencido de que o conseguiria, mas duas horas mais tarde nasceram-lhe dúvidas. Fazia muito frio, a noite ia alta, estava cheio de dores nas pernas e tinha muita sede. Os seus pés latejavam e, se não parasse, iria colapsar de fraqueza. Os cavaleiros continuavam à sua frente, a passo, e ele ouvia-os a falarem uns com os outros, crente de que não sabiam que os seguia. Estava errado. A dada altura, Gondomar parou e esperou que ele chegasse.

Vejo que sois teimoso, mas também resistente, disse. O cavaleiro da Terra Santa estendeu o braço e ofereceu-lhe um cantil com água. Depois de saciado, Ramiro agradeceu e declarou decidido: Não vou voltar para Viseu». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

 Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

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