Agnes Sorel
«Logo depois de o quadro ter sido pintado, talvez por
coincidência, os poderes do céu enviaram a Ceifadeira para castigar Agnes. Com
cerca de 40 anos, após 15 anos como amante, amiga e conselheira do rei, Agnes
morreu ao dar à luz. Talvez contemplasse um lugar grandioso quando, ao olhar
para seu corpo que se esvaía, disse com suavidade: É algo tão
insignificante, maculado e exalando nossa fragilidade. Cerrou os olhos. O
rei, dilacerado pela dor, concedeu-lhe o título póstumo de duquesa e a enterrou
em grande esplendor.
Nosso conhecimento sobre as amantes reais aumenta
significativamente com o advento do século XVI. O desabrochar do pensamento na
Renascença trouxe novos ares para uma Europa estagnada. De súbito, navios
cruzavam os sete mares, trazendo de volta novos-ricos que jamais haviam sonhado
com a riqueza. Os mosteiros foram pesquisados para encontrar manuscritos que
ilustrassem a sabedoria das lendas pagãs antigas. Sociedades que idolatraram,
durante milhares de anos, as estátuas da Virgem extasiavam-se diante da imagem
curvilínea da Vénus de Milo. Nesse processo, o Vaticano perdeu a chave do cofre
de todo o conhecimento; sua tenaz de ferro sobre a moral e os costumes
enfraqueceu de modo substancial, mesmo
em nações que permaneceram católicas após a Reforma.
A invenção da imprensa provocou uma explosão de instrução
entre a nobreza. A escrita de cartas tornou-se um passatempo favorito de
cortesãos ansiosos para saciar a curiosidade de parentes incultos sobre bisbilhotices
picantes da corte. Dessas cartas extraem-se as lágrimas das rainhas, os acessos
de raiva das amantes e a luxúria insaciável dos reis. Madame de Maintenon, a
última favorita e esposa morganática do rei Luís XIV (1638-1715), escreveu mais
de 90 mil cartas durante a vida. A cunhada de Luís XIV, Elizabeth Charlotte,
duquesa de Orléans, escreveu 60 mil cartas sobre a vida na corte de Versalhes,
cobrindo um período de cinquenta anos. Madame de Sévigné, que conheceu
pessoalmente as amantes de Luís XIV, escreveu três vezes por semana durante 25
anos para sua filha querida, que morava na Provença. Algumas correspondências
pessoais de reis e de suas amantes sobreviveram a incêndios, inundações, traças,
destruição proposital; e parte dessas missivas aborda o lado romântico da vida.
Além disso, os relatórios dos embaixadores fornecem opiniões
detalhadas sobre a vida na corte. Numa época em que um capricho do rei
significava paz ou guerra, abundância ou fome, nenhum detalhe real era
considerado insignificante. Alguns despachos oficiais discutiram até mesmo o
funcionamento dos intestinos do rei. Luís XIV, ciente da grande influência que
muitas amantes de Carlos II (1630-1685) tiveram sobre ele, instruiu seus
embaixadores na Inglaterra para enviar relatórios
detalhados sobre todos os acontecimentos da corte da Grã-Bretanha, sobretudo,
sobre a vida privada. Muitos desses relatos maliciosos sobreviveram.
Os diários tornaram-se moda, dando testemunho de intrigas
reais. Um dos mais conhecidos memorialistas, Samuel Pepys, trabalhou como
funcionário graduado no English Naval Office na década de 1660 e sentiu um
fascínio lascivo pela amante de Carlos II. Mencionou tê-los visto no parque e
no teatro, comparou a beleza deles, descreveu suas roupas e fez sexo com eles nos
seus sonhos. Escreveu com entusiasmo que beijara Nell Gwynn no final de sua
peça e que a visão das ricas roupas íntimas de Lady Castlemaine penduradas num
varal lhe fora muito prazerosa.
As memórias tornaram-se populares, embora devam ser lidas com
cautela e comparadas com outros documentos do mesmo período. Escritas para
serem publicadas, muitas delas tinham o duplo propósito de vingança pessoal e
delação. Pouco antes de sua morte em 1615, a rainha Margarida da França
escreveu uma autobiografia enaltecendo sua virtude imaculada e descrevendo
numerosas histórias sobre o comportamento censurável do marido com as amantes,
eximindo-se de contar histórias semelhantes protagonizadas por ela e seus
amantes. O vingativo duque de Saint-Simon, desiludido com o tratamento que lhe
fora dispensado, partiu da corte de Versalhes em 1722. Teimosamente, empunhou
sua pena para escrever quarenta volumes de memórias, a tinta misturada com
grandes doses de veneno». In Eleonor Herman, Sexo com Reis, 500 Anos
de Adultério. Eleonor Herman, Editora
Objetiva, 2005, ISBN 978-857-302-734-1.
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