«Marcos Núñez. Presente. Você faltou à missa do domingo passado – afirmou o sacristão. Estive... O homem tentou explicar-se, mas não lhe saíam as palavras. Terminou a frase em árabe enquanto esgrimia um documento. Aproxime-se, ordenou-lhe Andrés. Marcos Núñez passou entre os presentes até chegar perto do altar. Estive em Ugíjar, conseguiu desculpar-se desta vez, enquanto entregava o documento ao sacristão. Andrés o folheou e o passou ao padre, que o leu atentamente até verificar a assinatura e anuir com um esgar: o abade-mor da colegiada de Ugíjar certificava que em 5 de Dezembro do ano de 1568 o cristão-novo chamado Marcos Núñez, morador de Juviles, havia assistido à missa maior oficiada naquela povoação.
O sacristão esboçou um sorriso
quase imperceptível e escreveu algo no livro antes de prosseguir com a interminável
lista de cristãos-novos, os muçulmanos obrigados pelo rei a baptizar-se e
abraçar o cristianismo, cuja assistência aos santos ofícios tinha de verificar
cada domingo e dias de preceito. Alguns dos interpelados não responderam, e sua
ausência foi cuidadosamente registada. Duas mulheres, ao contrário de Marcos
Núñez com seu certificado de Ugíjar, não puderam justificar por que não haviam
comparecido à missa celebrada no domingo anterior. Ambas tentaram desculpar-se atropeladamente.
Andrés as deixou explanar e desviou o olhar para o padre. A primeira retrocedeu
de sua tentativa assim que o padre Martín lhe instou que se calasse com um
autoritário gesto de mão; a segunda, no entanto, continuou argumentando que
naquele domingo havia estado doente. Perguntem a meu esposo!, gritou enquanto procurava
o marido com olhar nervoso nas filas posteriores. Ele lhes... Silêncio,
aduladora do diabo!
O grito do padre Martín emudeceu
a mourisca, que optou por baixar a cabeça. O sacristão anotou seu nome: ambas
as mulheres pagariam uma multa de meio real. Após um longo tempo de
averiguação, o padre Martín deu início à missa, não sem antes indicar ao
sacristão que obrigasse o penitente a elevar mais as mãos que seguravam os
círios.
Em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo... A cerimónia continuou, ainda que fossem poucos os que
entendiam as leituras sagradas ou podiam acompanhar o ritmo frenético e os
constantes gritos com que o sacerdote os repreendeu durante a homilia. Porventura
acreditam que a água de uma fonte os curará de alguma doença? O padre Martín
apontou para o homem ajoelhado; seu dedo indicador tremia, e suas feições se
mostravam crispadas. É a penitência de vocês. Só Cristo pode livrá-los das
misérias e privações com que castiga sua vida dissoluta, suas blasfémias e sua
sacrílega atitude!
Mas a maioria deles não falava
castelhano; alguns se entendiam com os espanhóis em aljamiado, um dialecto mesclado
de árabe e romance. No entanto, todos tinham a obrigação de saber o
Padre-Nosso, a Ave-Maria, o Credo, a Salve-Rainha e os mandamentos em castelhano.
As crianças mouriscas, graças às lições que recebiam do sacristão; os homens e
as mulheres, pelas sessões de doutrina que lhes eram ministradas às
sextas-feiras e aos sábados, e às quais tinham de comparecer sob pena de ser
multados e não poder contrair matrimónio. Só quando demonstravam saber de cor
as orações é que os eximiam de ir à aula.
Durante a missa, alguns rezavam.
As crianças, atentas ao sacristão, o faziam em voz alta, quase aos gritos, tal como
lhes haviam ensinado seus pais, porque assim eles podiam burlar a presença do
beneficiado, com suas idas e vindas, para clamar às escondidas: Allahu Akbar. Muitos
o sussurravam de olhos fechados, suspirando. Oh, Clemente! Liberte-me de minhas
tachas, de meus vícios... ouvia-se entre as fileiras de homens assim que o
beneficiado Salvador se afastava um pouco.
A verdade é que não se afastava
demais, como se temesse que o desafiassem invocando o Deus dos muçulmanos no
templo cristão, durante a missa maior. Ó Soberano! Guie-me com seu poder... clamou
um jovem mourisco várias fileiras adiante, no meio do bulício do Padre-Nosso
gritado pelas crianças. O beneficiado Salvador se virou arrebatado. Ó Dador de
paz, ponha-me em sua glória..., aproveitou para implorar outro, do lado oposto.
O beneficiado ficou vermelho de raiva». In Ildefonso Falcones, A Mão de Fátima,
2010, Bertrand Editorial, Grandes Romances, 2010, ISBN 978-972-252-226-7.
Cortesia de Bertrand E/JDACT
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