O Mundo imediatamente antes de Nós
Um interlúdio Interglacial
«I)urante mais de um milhão de anos,
placas de gelo avançaram e recuaram a partir dos pólos, encontrando-se por vezes
no equador. As causas têm a ver com a deriva continental, com a órbita levemente
excêntrica da Terra, o seu eixo vacilante, e as alterações no dióxido de carbono
da atmosfera. Durante os últimos milhões de anos, estando os continentes
basicamente onde os vemos hoje, as eras glaciais sucederam-se de forma bastante
regular e duraram mais de cem mil anos, com períodos de degelo durando em média
doze mil a vinte e oito mil anos.
O último glaciar deixou Nova
Iorque há onze mil anos. Em condições normais, o próximo glaciar a cobrir
Manhattan poderá chegar a todo o momento, apesar de ser cada vez menos provável
que chegue à tabela. Muitos cientistas pensam hoje que o actual intervalo antes
do próximo acto glacial vai durar muito mais tempo, porque conseguimos adiar o inevitável
enchendo o nosso cobertor atmosférico com insolação extra. As comparações com
bolhas antigas no núc1eo de gelo da Antártida revelam que há mais CO2 no ar, hoje,
do que em qualquer altura dos últimos 650 mi1 anos. Se as pessoas deixarem de existir
amanhã e nunca mais mandarmos para o ar uma molécula de carbono, aquilo que
pusemos em movimento terá ainda de se extinguir.
Isso não acontecerá rapidamente,
pelos nossos padrões, apesar de os nossos padrões estarem a mudar porque nós, Homo
sapíens, não nos preocupámos em esperar que a fossilização entrasse no tempo
geológico. Ao tornarmo-nos numa verdadeira força da natureza, já o fizemos.
Entre os artefactos de fabrico humano que durarão mais tempo depois de desaparecermos
está a nossa atmosfera refeita. Assim, Tyler Volk não vê nada de extraordinário
em ser um arquitecto que ensina Física Atmosférica e Química Marítima na Faculdade
de Biologia da Universidade de Nova Iorque. Acha que tem de recorrer a todas estas
disciplinas para descrever como é que os seres humanos transformaram a atmosfera,
a biosfera e o subsolo em algo que, até agora, só os vulcões e as placas continentais
que colidem entre si tinham conseguido.
Volk é um homem magro com cabelo
negro ondeado, e olhos que se transformam em meias-luas quando reflecte. Inclinando-se
para trás na sua cadeira, estuda um cartaz que quase ocupa todo o placard do seu
escritório. Retrata os oceanos e a atmosfera como um só fluido, com camadas de densidade
cada vez maiores. Até há cerca de duzentos anos, o dióxido de carbono da parte gasosa
superior dissolvia-se na parte líquida de baixo a um ritmo constante, que mantinha
o mundo em equilíbrio. Hoje, com os níveis atmosféricos de CO2 altíssimos, os oceanos
precisam de se reajustar. Mas, por serem tão grandes, diz ele, isso leva tempo.
Digamos que deixa de haver quem queime
combustíveis. A princípio, a superfície do oceano absorverá rapidamente o CO2. À
medida que se satura, o processo abranda. Perde algum CO2 para organismos fotossintetizantes.
Lentamente, à medida que os oceanos se misturam, ele afunda-se, e a água mais antiga,
não saturada, vem das profundezas para o substituir». In Alan Weisman, O Mundo Sem Nós,
Estrela Polar, Oficina do Livro, 2007, 2008, ISBN 978-972-892-977-0.
Cortesia de EstrelaPolar/OficinadoLivro/JDACT
JDACT, Alan Weisman, Ciência, Ambiente, Conhecimento,