Da Queda do Império Romano do Ocidente a Carlos Magno
A instalação dos bárbaros
«Diferente
é, pelo contrário, a génese dos reinos romano-bárbaros no território
continental. Estes reinos não surgem da ocupação por potências estrangeiras de
uma zona precedentemente imperial, mas estabelecem-se no território na
sequência de negociação de foedera, instrumentos diplomáticos em uso
desde o alto império, por meio dos quais Roma se intromete nas questões internas
das tribos germânicas residentes fora das estremas imperiais. A partir da época
de Marco Aurélio (121-180, imperador desde 161), inicia-se, de facto, o costume
de acolher, no território do império, bárbaros inquilini, isto é, cultivadores ligados à terra; no tempo
de Diocleciano junta-se-lhe o uso de os receber como læti e gentiles,
cultivadores semilivres, vinculados a obrigações militares e talvez
instalados em terras públicas e organizados, ao contrário dos precedentes, em
grupos etnicamente compactos.
De
uma ulterior evolução destas práticas, que não constituíram, portanto, uma
inovação tardo-antiga, resultam os foedera
do século V, que preveem a instalação da população bárbara numa determinada
zona do império, em que um soberano governa em vez do imperador e as tropas,
bárbaras, devem para todos os efeitos ser consideradas de foederati romanos, em 451,
por exemplo, os visigodos combatem ao lado dos romanos contra Átila (?-435) nos
Campos Cataláunicos.
A
legitimação do poder do rei provém de uma delegação imperial que se concretiza
com a recepção não só do título de rex
no interior das suas comunidades mas também de um cargo oficial romano que
era, em geral, o de magister
militum. Estas realidades só são, pois, possíveis no interior
do império, onde o elemento bárbaro é sempre muito inferior numericamente ao
romano. E também as estruturas fiscais e administrativas romanas são, geralmente,
mantidas; a organização provincial, por exemplo, chefiada por duces, mantém-se no reino
visigótico, conservando frequentemente nos seus postos os mesmos indivíduos, e,
de um modo geral, é dos cargos romanos de dux e de comes
que provêm os duques e condes francos e lombardos.
Entre
os mais importantes foedera
deste tipo são, certamente, de recordar: o que em 382 é negociado por
Teodósio I com os godos, a quem é permitido instalar-se na Trácia depois do desastre
de Adrianópolis; os dois pactos de 411 e 443, que dão origem aos dois reinos burgúndios;
o pacto que em 418 concede aos visigodos, que já em 413 haviam sido autorizados
a estabelecer-se na Gália Narbonense, a Aquitânia II, com a inclusão de alguns territórios
da Novempopulânia e da Narbonense I, com capital em Toulouse, de onde se expandem
até conquistar a Espanha sueva; o que em 435 é concedido aos vândalos, que depois
o violam ocupando três províncias da África setentrional; e, por fim, o pacto
firmado com os ostrogodos, só acolhidos depois da queda do império dos hunos,
em 456-457, entre o rio Sava e o rio Drava.
O
domínio das populações germânicas sobre o território só gradualmente se torna
mais completo e independente do poder imperial, que continua formalmente
superior no plano hierárquico: a autoridade dos reges é-lhes delegada durante todo o século V pela
autoridade imperial. Isto vê-se, por exemplo, nas moedas e, em particular, na
de ouro: os regna começam
mais ou menos imediatamente a cunhar moeda própria, mas fazem-no em nome do
imperador, e nem em caso de conflito com o império colocam nas moedas o nome do
rex; quando muito, substituem
o imperador da época por um dos anteriores, por exemplo, aquele que
estabelecera originalmente o foedus.
É o caso dos solidi ostrogodos
de Totila e de Teia com o busto de Anastácio». In Umberto Eco,
Idade Média, Bárbaros, Cristãos, Muçulmanos, Publicações dom Quixote,
2010-2011, ISBN 978-972-204-479-0.
Cortesia de PdQuixote/JDACT
JDACT, Umberto Eco, Idade Média, Cultura e Conhecimento,