Pregado na Capela Real, no ano de 1655. Semen est verbum Dei. S. Lucas, VIII
«Deixará
de frutificar a sementeira, ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das
pedras, ou pelos descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do
Céu, isso nunca é nem pode ser. Sempre Deus está pronto da sua parte, com o sol
para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para alumiar e com a chuva
para amolecer, se os nossos corações quiserem: qui solem suum oriri facit
super bonos et malos, et pluit super justos et injustos. Se Deus dá o seu
sol e a sua chuva aos bons e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons,
como a negará? Este ponto é tão claro que não há para que nos determos em mais
prova. Quid debui facere vineae meae, et non feci?, disse o mesmo Deus
por Isaías.
Sendo,
pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus,
segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual
será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por
parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não
fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.
Os
ouvintes ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de
Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. No Evangelho o
temos. O trigo que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no: Simul exortae
spinae suffocaverunt illud. O trigo que caiu nas pedras, nasceu também, mas
secou-se: Et natum aruit. O trigo que caiu na terra boa, nasceu e frutificou
com grande multiplicação:
Et
natum fecit fructum centuplum. De maneira que o trigo que caiu na boa
terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra, não frutificou, mas
nasceu; porque a palavra de Deus é tão funda, que nos bons faz muito fruto e é
tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos
espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não
frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de
Deus, são as pedras e os espinhos. E porquê? -- Os espinhos por agudos, as
pedras por duras». In Sermões, padre António Vieira, 1655, Sermões Escolhidos. v.2, São
Paulo, Edameris, 1965, Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro, Universidade
de São Paulo, Universidade de Santa Catarina, Wikipédia.
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