domingo, 24 de outubro de 2010

Abjeccionismo. Pedro Oom: Associado à ideia de descentralização ou desenraizamento do indivíduo em relação a um padrão de conduta. Tema recorrente nos autores que cultivaram a degenerescência pessoal e social

(1926-1974) 
Santarém
Cortesia de antologiadoesquecimento

O Abjeccionismo, corrente estreitamente ligada ao surrealismo, surgida no final da década de 40 do século XX, cuja autoria se atribui ao escritor Pedro Oom (a sua obra literária, poética e panfletária, de uma escrita fortemente influenciada pelo surrealismo, servindo-se de imagens insólitas e impregnada de uma ironia violenta e mordaz, ficou dispersa por jornais e revistas. Apenas em 1980 foi reunida e publicada postumamente nos dois volumes de Actuação Escrita). O abjeccionismo fundamenta todos os comportamentos e atitudes que se afastam do sistema de valores sociais e morais convencional (droga, incesto, crimes, suicídio). Na sua essência, encontra-se intimamente associado à ideia de descentralização ou desenraizamento do indivíduo em relação a um padrão de conduta, tema, aliás, recorrente nos autores que cultivaram a degenerescência pessoal e social.

Actuação Escrita
Pode-se escrever
Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada
Pode-se não escrever
Pedro Oom (Cortesia de Instituto Camões)

Foram vários os poetas surrealistas portugueses que desenvolveram o abjeccionismo como forma de expressão anti-literária, como se poderá ver, por exemplo, na antologia de Mário Cesariny de Vasconcelos, Surrealismo Abjeccionismo: antologia de obras em português seleccionadas por Mário Cesariny de Vasconcelos (1963).

Cortesia de triplov
Trata-se de um tema relacionado com a ideia de descentralização ou desenraizamento do sujeito em relação a uma norma ou padrão, recorrente em poetas que cultivaram a degenerescência pessoal e a decadência social, como o fizeram em vários momentos os modernistas portugueses Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. No poema «Dactilografia», Álvaro de Campos confessa o seu «tédio fundamental», que lhe produz uma náusea profunda, íntima do sentimento de abjecção, uma vez que se trata de nausea vitae:

Que náusea da vida!
Que abjecção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Existe um certo ponto do espírito de onde a vida e a morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo deixam de ser percebidos como coisas contraditórias. Ora, seria falso atribuir à actividade surrealista qualquer motivação que não fosse a esperança de determinar esse ponto.
Na atitude abjeccionista, esse ponto de síntese não é, no entanto, um ponto final e estático, mas o início de novos antagonismos. Trata-se de uma atitude que, através do choque, do nojo, do inesperado, se apresenta como demanda de uma destruição / reconstrução. Torna-se negação da vida, no intuito de a destruir e reerguer enquanto linguagem poética num novo espaço de vida.

Cortesia de canaldepoesia

Cortesia de wikipédia/JDACT