segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Vergílio Ferreira: Aparição. O discurso da solidão está sempre patente na sua obra, como aspecto mais profundo da condição humana. O silêncio. Qualquer que seja a problemática tratada, Vergílio Ferreira parte da reflexão sobre a questão do «eu» quase sempre no sentido do «homem» ao Homem

(1916-1996)
Melo, Gouveia
Cortesia de portliteratura

Vergílio António Ferreira foi um escritor português. Embora formado como professor foi como escritor que mais se distinguiu. O seu nome continua actualmente associado à literatura através da atribuição do Prémio Vergílio Ferreira. Em 1992, foi galardoado com o Prémio Camões.
A sua vasta obra, geralmente dividida em ficção (romance, conto), ensaio e diário, costuma ser agrupada em dois períodos literários: o Neo-realismo e o Existencialismo. Considera-se que «Mudança» é a obra que marca a transição entre os dois períodos.


Cortesia de daliedaqui
Obras
Ficção
  • 1943 O Caminho fica Longe;
  • 1944 Onde Tudo foi Morrendo;
  • 1946 Vagão "J";
  • 1949 Mudança;
  • 1953 A Face Sangrenta;
  • 1953 Manhã Submersa;
  • ( ... )
  • 1959 Aparição;
  • 1960 Cântico Final;
  • 1962 Estrela Polar;
  • 1963 Apelo da Noite;
  • 1965 Alegria Breve;
  • 1971 Nitido Nulo;
  • ( ... )
  • 1987 Até ao Fim;
  • 1990 Em Nome da Terra;
  • 1993 Na Tua Face;
  • 1996 Cartas a Sandra;
  • 1976 A Palavra Mágica (publicada em separado, no entanto faz parte do livro Contos).
Ensaios
  • 1943 Sobre o Humorismo de Eça de Queirós,
  • 1957 Do Mundo Original;
  • 1958 Carta ao Futuro;
  • 1963 Da Fenomenologia a Sartre;
  • ( ... )
  • 1976 Espaço do Invisivel II;
  • 1977 Espaço do Invisivel III;
  • 1981 Um Escritor Apresenta-se;
  • 1987 Espaço do Invisivel IV;
  • 1988 Arte Tempo.
Diários
  • 1980 Conta-Corrente I;
  • 1981 Conta-Corrente II;
  • 1983 Conta-Corrente III;
  • ( ... )
  • 1993 Conta-Corrente-nova série II;
  • 1994 Conta-Corrente-nova série III;
  • 1994 Conta-Corrente-nova série IV.
 
Cortesia de wook
Aparição
«Sento-me nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de Verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, essas flores, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens. (...)». «Esta cadeira em que me sento, a mesa, o cinzeiro de vidro, eram objectos inertes, dominados, todos revelados às minhas mãos (...)». In Aparição.

Opinião:
«Uma autêntica epopeia que aborda frontalmente e sem rodeios a complexa temática dos insondáveis caminhos que tomamos para nos conhecermos a nós próprios ou resolvermos as nossas dúvidas existenciais, «Aparição» é um romance que deslumbra pela obstinada busca de Alberto Soares, o narrador, que na sua evidência quase divina do mistério da vida (na revelação instantânea de si a si próprio) que entende traduzível numa explicação nunca completamente encontrada das razões e sentido da existência do Homem, inquieta tudo e todos na pacata cidade de Évora, onde, destacado para dar aulas no Liceu, conhece a família dos Noronhas e as três irmãs, Ana, Sofia e Cristina, a quem vai afectar de forma dramática ou involuntária os seus destinos. Gerador de conflitos apesar da sua conduta tímida e discreta, as questões existenciais de Alberto acabam sempre por vir ao de cima e aos poucos azedam todas as relações criadas por este, possuidor de um passado onde desde tenra infância se inquietou com o mistério da existência, e, sempre renegando todos os caminhos facilitadores do espírito, tais como dogmas, doutrinas e religiões, Alberto distancia-se de tudo e de todos na incompreensão hostil que lhe é movimentada.

Évora
Cortesia de daliedaqui
Entre uma Sofia que partilha dos seus pensamentos mas que radicaliza a sua existência por, tal como Alberto, só lhe fazer sentido viver o presente, e então vive-o de uma forma cruel para todos os outros com consequências trágicas devida à forma como brinca com os sentimentos dos outros; uma Ana que é atraída pelo pensamento de Alberto mas que lhe move uma resistência tenaz, até se deixar cair na religião como tábua de salvação; uma Cristina que representa o ideal de pureza e cuja presença roça o divino na forma como se dedica à música, inspirador de Alberto na sua busca existencial - um trio de destinos que se vai resolver no choque de personalidades e ideias com Alfredo, marido de Ana e defensor de uma atitude simplista de viver e deixar viver, Chico, secreto apaixonado de Ana e opositor acérimo de Alberto na sua complicada visão da vida, Carolino, ingénuo rapaz que se deixa cair nas malhas das ideias de Sofia e Alberto num triângulo amoroso de contornos muito perigosos.

Cortesia de companhiadeideias
Diálogos e desenlaces curiosos em torno das opções espirituais de vida de cada um tornam este romance extremamente interessante embora um pouco denso. Directo e abrupto no desenlace da narrativa, a grandes reflexões ou discussões seguem-se radicais acções, colocando a nú a inquietude de cada um e a forma como se protege ou ataca nos seus medos, e a orientação final que encontra para se cumprir a si próprio no sentido que encontra para a sua vida ou para a justificação da sua existência. Cada homem é único e cada um tem a sua verdade. Bem ou mal, de forma violenta ou pacata, cada um encontra ou termina o seu caminho, com soluções diversas revelando cada uma um tipo de sabedoria que nem sempre Alberto compreende mas que sente terem o seu fundo de consistência, consistência essa da qual Alberto encontra muitos lampejos que se intersectam com a sua procura, sôfrega e nunca resolvida até ao fim dos seus dias, não obstante a evidência que sente de si próprio - sinto, sinto nas vísceras a aparição fantástica das coisas, das ideias, de mim - e que o reconhecimento da morte ajuda a perceber o que de extraordinário se perde».  In O Citador.

Disse Vergílio Ferreira: «O que pretendi em Aparição foi a necessidade, para uma realização total do homem, de ele se redescobrir a si próprio, não nos limites de uma estreita individualização, mas no da sua condição humana».

Cortesia de profviseu 

Cortesia de O Citador/JDACT