Cortesia de edicoescolibri
Com a devida vénia a Jorge de Oliveira e Ana Cristina Tomás.
«Nas Ordenações Afonsinas e, sobretudo, nas Filipinas, encontramos bem explícitas as penas a aplicar para cada um dos crimes, não sendo, aqui, oportuna a sua referência. Importa-nos antes descrever o processo que o condenado tinha que percorrer até ao último suspiro na forca. Essa descrição encontra-se bem expressa no Compromisso da Misericórdia de Évora e na de Lisboa, que, genericamente, serviram de modelo a todas as misericórdias do País. Competia aos irmãos da Misericórdia de cada povoação acompanhar os condenados e apoiá-los até ao momento final.
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Transcrevemos, aqui, a parte do Compromisso de Évora, de 1516, intitulada «Da maneira que se ade ter cõ os que padecem per justiça Cap XVIII»:
- Item Quando alguma pessoa ouuer de padecer per justrça yrã da dita cõfraria os maís homens vestidos nos saios da miã que poderem seer dos quaes hum leuara a cruz cõ o pendão de nosa sõra diãte e dous yram diante e dous yram nas ylhargas delle cõ senhas tochas nas mãos acesas E de trás yra outro cõ ho crucifixo cõ outras duas tochas acesas nas mãos de cada cabo E detraz do crucifíxo yrã os mais penitentes que quiserem fazer pendença assy por seus pecados porque nã a hy nhum que nã seja pecador como tãbem por prouocarem o padecente a cõtriçam e arependimento de seus pecados os quaes todos estará a porta de fora da cadea esperado pollo padecente.
- ( … )
- E a mesma maneira se terá acerca dos quee per justiça forem esquartejados cujos quartos sam postos as portas da cidade E assy cõ os membros daquelles em que se faz justiça que estam no pelourínho ou em outras quaesquer partes Os quaes depois dee feita a justiça a três dias yram os ditos ofliciaes com a mais deuaçam que poderem pollos ditos membros e os tirarã e trazeram a enterrar ao cemitério da deã cõfraria E se allguuns per justiça morrerem queimados loguo em aquelle dia a tarde em que asy padecer o deõ prouedor mandara hum homem que per ssua devaçam o queira fazer ou ho cõtentara a dinheiro que va apanhar toda a ossada que ficar por queimar doo tall padecente e a trará em hum ramo de lemçoll pera seer enterrda e laçada em luguar sagrado em maneira que os cãees a não leuem do dito luguar onde assy padecer como se muitas vezes acõticia porque a caridade que nos nosso snõr leixoa encomendada que vsassemos cõ nossos próximos seja de todo cõprida cõ ho dito padecente. (Pereira, Gabriel, 1998: 136, 137).
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Pelo acima descrito, observa-se a pompa e igualmente a crueldade de todo o processo que a condenação à morte implicava, sobretudo, antes dos finais do século XV data a partir da qual as Misericórdias passaram a assumir um papel controlador desta forma de justiça. Se o relato (parte…) acima apresentado é o que corresponde a uma fase já normalizada e em que o justiçado tem algum reconforto desde a saída da cadeia até ao último suspiro, só mentes férteis conseguirão imaginar o que seria o suplício dos condenados à morte, em épocas anteriores ao estabelecimento das Misericórdias.
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O acto de clara misericórdia da recolha dos restos humanos dos que morreram nas mãos da justiça, especialmente na forca, tarefa, cometida aos irmãos das Misericórdias e bem expresso no texto do Compromisso da Misericórdia de Évora, acima apresentado, revela, igualmente, a profunda mudança de atitude de piedade e de higiene que resultou da instituição das Misericórdias. Esta recolha, efectuada no dia 1 de Novembro, vulgarmente conhecida por procissão dos ossos, mereceu da parte do famoso pregador, Padre António Vieira, um sermão intitulado Sermam ao Enterro dos Ossos dos Enforcados, que foi pregado, pela primeira vez na Igreja da Misericórdia da Baía, no ano de 1637 e, posteriormente, publicado em 1682, na cidade de Lisboa, incluído na colectânea de sermões deste pregador.
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Neste erudito e algo herético sermão, António Vieira, para além de discorrer sobre o piedoso acto de dar sepultura aos condenados, descreve um pouco da história da pena de morte na forca, encontrando justificações nas escrituras sagradas para esse acto de justiça. Texto de elevada erudição, mas, igualmente, muito polémico, tanto do ponto de vista religioso, como em relação à aplicação da justiça, tornando-se de leitura obrigatória para quem se interessa sobre estes temas». In Jorge de Oliveira e Ana Cristina Tomás, As Forcas do distrito de Portalegre, edições Colibri, Novembreo de 2007, ISBN 978-972-772-767-4 (obra ofertada por JC e SB em Agosto de 2008).
A amizade de JC, SB e CM.
Cortesia de Edições Colibri/JDACT