Cortesia de meteoribatejohostzi
As cheias no rio Tejo
«As inundações do Tejo são quase tão antigas quanto o próprio rio Tejo.
Nos Invernos chuvosos uma invasão de águas do Tejo arrasa tudo à sua volta e durante dias o rio parece revoltar-se contra o Homem, inundando os campos, modificando por completo a lezíria ribatejana.
«E o rio parece assombrado! E parece que homens e animais não podem fazer outra coisa que não seja esperar. Esperar pela segunda fase do Inverno Ribatejano, a fase das enormes e catastróficas cheias do Ribatejo. Essa altura em que o rio incha como o ventre de uma grávida e paralisa tudo definitivamente, invadindo toda a campina, transbordando para as estradas, tornando o Ribatejo um túmulo aquático, suspenso no tempo» (O Inverno no Ribatejo).
As cheias são um dos maiores paradoxos da vida do Ribatejo: são boas porque fertilizam as terras e lavam os campos e são más porque destroem bens e espalham o pânico nas povoações ribeirinhas.
Cortesia desortidofino
Nos dias de cheias, o rio Tejo faz-se mar, que se estende de horizonte a horizonte, com os campos alagados, culturas destruídas, estradas cortadas, o desespero e ira dos Homens que se sentem diminutos perante esta adversidade das cheias:
- «A água vai baixando. Deixou de chover há uns dias. Na lezíria já não há emposta mais chegada onde não tenha ido. A medida que a cheia desce, a desolação aumenta. Os troncos das árvores, a vegetação das abertas, os barracões, os paus da vedação, tudo o que as águas tocaram, envolvem-se numa cinta de barro viscoso, quase castanho, como se mãos humanas as tivessem marcado de maldição. Aluíram palheiros e arribanas. Vêem-se a boiar coelhos e galinhas das capoeiras arrombadas; e dezenas de lebres que não puderam escapar à morte da corrida com a cheia; e pássaros. Anda no ar um cheiro acre. E ameaça de mais fome. Os milhafres planam sobre um festim de miséria. Mergulham lá do alto, agarram as presas e abalam. Perdem-se no horizonte pardo» (Alves Redol Os Avieiros).
Durante dias ou semanas, as povoações ribeirinhas cobrem-se de água, mágoas e inquietações. Contudo, estas cheias possuíam um dom para fertilizar as terras destes campos, em cada cheia os solos agrícolas eram renovados e dotados de fecundidade para as colheitas:
Cortesia de cinemasapo
«O Tejo leva e traz o maná para as eiras, escoadas as águas, ao fim de alguns dias, a terra fica prenha e reverdejará na Primavera seguinte». (Micaela Soares, Cheias).
Na primeira metade do séc. XX, as cheias com maior ou menor intensidade aconteciam todos invernos e as populações da borda d'água habituaram-se a viver com elas.
A partir desta data, com a construção de barragens no rio Tejo e afluentes, as cheias ficaram mais espaçadas, mas em contrapartida tornaram-se mais violentas e destruidoras.
Salvaterra de Magos é uma vila ribeirinha que sofreu durante anos a revolta das águas do Tejo e soube adaptar-se a estes ciclos de cheias, criando para estes temporais uma espécie de «vida anfíbia», de forma a resistir e a sobreviver a estas intempéries». In As Cheias em Salvaterra de Magos, CM de Salvaterra de Magos, Março de 2010.
Cortesia da CMSalvaterra de Magos/JDACT