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NOTA: Texto na versão original.
A Infanta D. Maria
«Cumpre-me explicar agora quaes motivos me levam a aceitar a antiga tradição aãrtistica, que designa com o nome «Infanta D. Maria» a bella dama pintada por Moro, dizendo porque reconheço no vulto a filha de D. Manoel, comquanto nem no proprio quadro nem tão pouco em documento algum relativo a Moro haja noticias elucidativas. tambem, Por que razão regeito e considero inconsistentes as duvidas levantadas por certos criticos escrupulosos.
De onde essas duvidas nasceram, bem o sei. Da coexistencia de tres damas diversas de nome igual, que, nascidas no terceiro decennio do seculo XVI de allianças entre a casa de Austria e a dynastia manoelinao e casadas ou promettidas em casamento a principes do mesmo sangue, tinham jus a figurar nas galerias de retratos dos Felipes, e deviam, segundo todas as previsões, apresentar certo ar de familia, ostentando trajes de estylo parecido.
Ei-las pela ordem, chronologica:
- Primeiramente temos a nossa Infanta, filha de D. Manoel de Portugal e D. Leonor de Áustria (1521-1577).
- Em segundo logar, a filha de D. ]oão III e D. Catharina, a qual nasceu a 21 de maio de 1527, casou em 1543 com seu-primo Felipe, e falleceu ao cabo de dois annos, ao dar á luz o Infante D. Carlos, de triste memoria.
- De passagem seja dito, que os dois nubentes eram de idade igual e celebravam o seu anniversario no mesmo dia como os reinantes actuaes de Portugal.
- A terceira é a filha de Carlos V e da Imperatriz D. Isabel de Portugal. Essa nasceu em 1528. Casando em 1548 com o Imperador Maximiliano II, conservou-se todavia na Peninsula até 1551.
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É impossivel que Antonio Moro pintasse a segunda, se realmente veio de Flandres depois de 1550, no que todos concordam. Impossivel tambem que o quadro em questão represente uma joven de 17 ou 18 annos. Tambem não póde representar a terceira D. Maria, pois o retrato d'ella conservou-se e lá está hoje no Prado ao lado do que nos occupa, mas também sem inscrispção comprovativa. Resta portanto a hypothese que defendo e outros impugnam, por confundirem as tres Marias.
A estada do-pintor flamengo, «pintor das noivas regias», como um dos mais entendidos criticos de arte costuma nomeá-lo na côrte portuguesa em 1552, com cartas de recommendação da Rainha-viuva de Hungria para sua irman D. Catharina é um facto incontestavel e comprovado.
Com quasi igual certeza consta que o eximio artista retratou do natural, além dos reinantes, ao principe real, ao Infante D. Luiz e uma D. Maria de Portugal e que esses quadros foram parar, ainda no seculo XVI, a Hespanha, onde figuraram até 1608 na Sala dos Retratos do palacio «El Pardo». E como em 1550 havia uma única «D. Maria de Portugal» é quasi superfluo relevar ainda a perfeita concordancia da idade, e da indole que a pintura revela. Mas não será desnecessario acentuar de um lado os traços de parentesco com os quadros da Luz e o do Mosteiro da Encarnação, como são a testa alta, cabello loiro, olhos azues, tez muito clara, e do outro lado a semelhança, notavel da retratada com el-rei D. Manoel.
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O trage cujos tons sombrios dão realce á singular alvura das mãos e do rosto, finamente modelado, está em harmonia na sua singeleza distinctissima com a nobreza natural do porte, e com a melancholica suavidade da physiognomia. O velludo preto, afogado, de corte modesto, guarnecido apenas na frente com alguns laços de cor clara que se repetem nas mangas golpeadas, denuncia a elevada categoria do personagem, sem ostentar as suas grandes e falladas riquezas que tantas cobiças despertaram. Poucas joias de preço destacam-se do estofo e do veu de gaze, sem annullar o aspecto tristonho do quadro, Poucas, relativamente, diadema, collar, remate do veu e cinto, se tivermos em mira, conforme reclama a justiça, outros quadros da mesma epoca e do mesmo pintor, representando damas das familias reaes de Hespanha, porque o vestuário de algumas está litteralmente coberto das mais raras preciosidades da ourivesaria e joalheria.
Veja-se o retrato da Rainha D. Catharina, o da outra D. Maria, filha da Imperatriz D, Isabel de Portugal, o da Princeza D. Joanna, todos no Prado. E tambem o da Rainha D. Leonor que juntamos a essas paginas, por ser inteiramente desconhecido em Portugal. Vestida á franceza, com decote discreto, em cores brilhantes, parece tão juvenil como a filha; mais bonita e alegre, não.
Fosse em conformidade rigorosa com o seu estado de innupta, fosse por entender que dizia bem com a tez e o colorido, ou que não precisava de luxuosos atavios e grossa pedraria para se distinguir entre as primeiras, a virgem sábia, «egregium virgo decus innuptarum», escolhera aquelle vestido grave, á antiga portugueza». In A Infanta D. Maria de Portugal e as suas Damas, edição fac-similada, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Biblioteca Nacional 1994.
Cortesia de Biblioteca Nacional/JDACT