Cortesia de foriente
Reis e Monges. Notas sobre a Birmânia além dos Portugueses.
«O período entre 1580 e 1630 coincidiu, na Birmânia, com uma dinâmica de desestabilização e reconstrução de poderes sobre áreas geográficas cujas fronteiras se foram definindo ao longo de um rápido processo de perdas e reconquistas. Contudo, a fragmentação do império, as rivalidades dos antigos reinos, e a sua reunificação, não eram novidade na região, onde as alternâncias entre desorganização política e formações políticas centralizadas, mais ou menos estáveis, foram relativamente frequentes. Por outro lado, o carácter da presença portuguesa naquelas paragens amoldou-se a circunstâncias internas, de tempo e de lugar, e externas, como seja as relações com o Estado da Índia. Trata-se, pois, de uma época marcada por uma aparente descontinuidade e por isso difícil de analisar e compreender desligada dos aspectos geográficos, culturais, institucionais, e históricos que a tornaram possível. A intenção das presentes notas é abordar esses aspectos na medida da sua interferência nesse período e não de os historiar ou examinar em pormenor ou em toda a sua complexidade.
A actual Birmânia, embora se apresente como um todo isolado por fronteiras naturais, montanhas a norte, a noroeste, e a este, mar a sudoeste e a sul, é constituída por uma acentuada diversidade territorial e populacional.
Cortesia de foriente
O país, que se estende entre 10 e 28 graus latitude Norte, da Península Malaia aos Himalaias, pode ser dividido em várias zonas. A mais bem definida, tanto geográfica como historicamente, é a zona de planície situada entre as cadeias montanhosas referidas e que se estende para sul até ao mar. Essa região central, significativamente chamada pelos britânicos de «Burma Proper», foi aquela onde se estabeleceram os impérios birmanes vigentes na época tratada neste estudo. Apesar da sua demarcação das zonas limítrofes, a «Outer Burma» dos britânicos, o facto de não constituir um todo levou à tradicional distinção entre Alta e Baixa Birmânia.
Estendem-se estas, respectivamente, a Norte e a Sul de uma linha que corta o país pela altura das cidades de Prome e Tangu, 19º latitude Norte, e correspondem também a uma divisão geopolítica. A primeira abrange a região em torno das ex-capitais imperiais de Ava e Mandalay; a segunda tem o seu centro em Pegu, a capital do império quinhentista, ou em Rangum, a actual capital.
A Alta Birmânia, interior, protegida da monção de sudoeste pelas terras altas do Arracão e pelas colinas Chin, é pouco chuvosa, mas fértil porque cortada por vias fluviais que desde cedo permitiram a construção de sistemas de irrigação e consequente enriquecimento agrícola. Aí se estabeleceram inicialmente os «birmanes», povo pertencente ao grupo etno-linguístico Tibeto-Birmane.
Cortesia de foriente
Chamavam ao seu povo «Brahma», palavra que tem sido transliterada em caracteres latinos sob outras formas, como Mrânmâ, Bamma, ou Myanmar, hoje nome oficial do país. Em contraste, a Baixa Birmânia, litoral, exposta à monção porque aberta para o mar, é chuvosa e por vezes alagadiça porque naturalmente irrigada pelos deltas dos rios Irrauadi e Sittang. Aí se instalaram os «mons», povo pertencente ao grupo etno-linguístico Mon-Khmer, vindos antes dos birmanes e parece que empurrados por estes para Sul. Os brimanes chamavam-lhes «Talaing», termo que ainda se mantém, para designar a população mon e a zona déltica.
Devido às características apontadas, estas duas regiões foram frequentemente classificadas de «zona seca» e «zona húmida». De facto, enquanto que na primeira destas zonas a pluviosidade ronda os 600 mm, na zona do delta varia entre 1500 e 2500 mm. O contraste é ainda maior se considerar uma pequena área da Alta Birmânia, a sul de Pagan, onde escasseiam vegetação e chuvas. Aí a pluviosidade máxima oscila entre 1.20 e 150 mm nos meses de Setembro e Outubro e o clima é quase desértico.
Com base nessa classificação geográfica e tendo em conta a sua importância como centros políticos, Lieberman considerou-as como «as duas zonas de Império», zonas essas que ao longo da história do vale do Irrauadi, e com maior incidência entre 1500 e 1760, disputaram a supremacia. A observação é notável sintetiza a dualidade territorial tradicional, aponta para o seu carácter geopolítico, e corresponde a uma realidade importante de frisar aqui por ser a que os Portugueses encontraram». In Maria Ana Masques Guedes, Interferência e Integração dos Portugueses na Birmânia, ca 1580-1630, Fundação Oriente, ISBN 972-9440-28-X.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT