segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Bela Poesia. Luís de Camões. Sonetos. Primeiro período (1540-1547): Ciclo Idílico. «É um não querer mais que bem querer; é solitário andar por entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder»

Cortesia de casadecamoes

Quem quiser ver d’Amor
Quem quiser ver d’Amor uma excelência
onde sua fineza mais se apura,
atente onde me põe minha ventura,
por ter de minha fé experiência.

Onde lembranças mata a longa audiência,
em temeroso mar, em guerra dura,
ali a saudade está segura,
quando mor risco corre a paciência.

Mas ponha-me Fortuna e duro Fado
em nojo, morte, dano e perdição,
ou em sublime e próspera ventura;

ponha-me, enfim, em baixo ou alto estado;
que até na dura morte me acharão
na língua o nome, n’alma a vista pura.


Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer;

é um não querer mais que bem querer;
é solitário andar por entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder;

é querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence o vencedor;
é ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode ser favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís de Camões, in «Sonetos»

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