Cortesia de separatarevistacaminiana
Introdução
«Com D. Afonso III, parece desenhar-se outra política de recompensas, em que a Ordem de Santiago só é contemplada numa fase mais tardia, isto é, a partir de 1255. A análise da documentação permite, inclusive, escalonar as relações de D. Afonso III com a Ordem de Santiago em duas fases: uma que decorre entre 1255 e 1267 “e outra nos anos posteriores a esta última data, sendo decisivos os anos de 1271 e 1272”. Para comprovar esta afirmação observamos que, em Fevereiro de 1250, encontrando-se em Santa Maria de Faro, D. Afonso III doou o castelo de Porches ao seu chanceler, D. Estêvão. O desejo de perpetuar a lembrança dos feitos praticados por este fiel servidor e de recompensar a dedicação do referido chanceler estão bem patentes na «arenga» e na parte dispositiva da carta de doação deste castelo, que, para além das estruturas e sistemas defensivos, abrangia todo o termo, com todos os direitos e pertenças «quos habuit vel habere debuit quando erat in sarracenica potestate», acrescidos do direito de padroado da igreja ou igrejas a edificar. São precisamente estas expressões que nos autorizam a interpretar o termo «castelo» como o conjunto da estrutura arquitectónica militar e do termo circundante. Reservava-se, contudo, o monarca os direitos de «naufrágio (peregio)», de caçar baleias e ainda os referentes aos metais preciosos (ouro e prata).
E não contente com esta oferta, em 4 de Agosto de 1250, doou ao mesmo chanceler os bens outrora possuídos pelo mouro Aboaale e sua mulher, Zaforona, em Santa Maria de Faro, incluindo as casas, vinhas, almuinhas, olivais, figueirais e as próprias salinas, «marinas».
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Anos mais tarde, em Setembro de 1259, estando em Santarém, volta a contemplar o mesmo Estêvão Eanes, mas agora com o couto de Alvito, no Alentejo. Além das generosas doações outorgadas a este áulico, em 1 de Março de 1250, doou à Ordem de Avis, na pessoa do seu mestre, D. Martinho Fernandes, o castelo de Albufeira, com tudo o que lhe pertencia no tempo dos mouros. E se na reserva dos direitos reais estão expressamente consignados «exceptis juribus et directis quos reges consueverunt habere in mari videlicet de navibus portantibus merchandias de Francia vel aliunde et excepto lucro sarraoenico quo per navigia contingerit obvenire...», reservava, igualmente o direito de naufrágio, de caçar baleias, etc., em relação ao trato comercial com os sarracenos concedia-lhes a possibilidade de ficarem com o quinto do lucro correspondente a esta actividade comercial e no contexto de reservas feitas pelo rei, consideramos de extrema importância sublinhar esta preocupação do soberano em manter os contactos comerciais, e inevitavelmente outros, com os antigos possuidores do Algarve.
Assim, uma primeira observação se impõe: a Ordem de Santiago não esteve nas primeiras preocupações de D. Afonso III. Para esta situação contribuiu a conjuntura político-económica nacional, cujos aspectos mais salientes passamos a referir.
Com efeito, os anos seguintes de 1251, em que conquistou Aroche e Aracena, e os de 1252-1253, de diferendo com Afonso X, foram ainda marcados por acontecimentos importantes que não podiam deixar de distrair D. Afonso III das questões relativas ao Algarve. A título de exemplo, recordamos apenas as dificuldades económicas, responsáveis pelo tabelamento dos preços na famosa lei da almotaçaria, datada de 26 de Dezembro de 1253, os problemas relativos à quebra da moeda e da realização das cortes de Leiria de 1254, tidas como as primeiras reunidas em Portugal.
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Entretanto, a situação de bigamia em que o monarca português veio a cair, na sequência do acordo celebrado com Afonso X, retirou-lhe o apoio oficial da Igreja. Por sua vez, Afonso X, que tinha apresentado D. Frei Roberto para a Sé de Silves, doa-lhe a aldeia de Lagos, em 20 de Agosto de 1253, de nada valendo ao monarca português o protesto formulado, em 22 de Janeiro de 1254, pela nomeação de um bispo para o território já então considerado nacional.
Finalmente, o ano de 1255 marca o encontro de D. Afonso III com a Ordem de Santiago, como demonstram os factos a seguir apontados, sugerindo, mesmo, uma política claramente apontada no sentido de «converter» o Mestre da Ordem, D. Paio Peres Correia, àquilo que, em linguagem dos nossos dias, poderemos designar «causa nacional».
Mas o melhor é apreciarmos de perto as doações a ele outorgadas pelo Bolonhês. Impõe-se, por isso, recordar que, em 20 de Fevereiro de 1255, encontrando-se a Cúria reunida em Santarém, D. Afonso III, com o consentimento da esposa, D. Beatriz, «et de consensu Curie mee et auctoritate rneorum procerum et magnatum et pro multo bono servicio quod michi fecerunt donus Pelagius Petri Corrigia magister milicie Ordinis Sancti Jacobi et donus Gonsalvus Petri comendator eiusdem Ordinis in Portugalie et fratres eiusdem Ordinis ...», doou-lhe o castelo de Cacela com seu termo, limitado «per mediam venan fluminis Benaamor quomodo descendit de summo serre usque ad mare et termini predicti castelli victent se cum termini de Mertola et Ayamonte».
Em última instância, o verdadeiro donatário deste castelo algarvio não era o mestre D. Paio, mas a própria Ordem de Santiago, como indica a rubrica inicial ou sumário do documento:
- «Carta Ordinis Ocles de donatione castelli de Caçala».
Apesar disso, a menção do mestre D. Paio e do comendador ou responsável pela Ordem no reino de Portugal tem de se interpretar numa dimensão, ou se quisermos, política «captativa», de alcance verdadeiramente nacional, como inculca o facto de o documento estar subscrito pelo chanceler, pelo alferes, pelo mordomo da Cúria, pelos terratenentes de Panóias, Neiva, Bragança, Sousa, Lamego, Trás-os-Montes, «Trasseram», e pelos arcebispo de Braga e bispos do Porto, Coimbra, Lisboa, Évora, Lamego, Guarda e Viseu, pelo sobrejuiz, pelo sub-alferes, por D. João de Aboim e muitos outros». In José Marques, Os Castelos algarvios da Ordem de Santiago no reinado de D. Afonso III, Separata da Revista Caminiana, Ano VIII, Braga 1986.
Cortesia de Revista Caminiana/JDACT