sexta-feira, 23 de setembro de 2011

História da Maçonaria em Portugal: Das Origens ao Triunfo. A. H. Oliveira Marques. «…tinha-o feito, em Portugal, D. João V, pouco tempo antes da bula “In Eminenti”, e voltaria a fazê-lo D. José, algumas décadas depois. O Estado não apreciava intromissões de Roma em assuntos que podiam colidir com a sua jurisdição interna, e esse era afinal o caso da existência ou não existência de lojas maçónicas»

Cortesia de editorialpresenca

Das Origens às Primeiras Perseguições
«Por um lado, mostrava-se injusta na apreciação dos trabalhos maçónicos, que se baseava numa ignorância grosseira daquilo que era e que desejava a Maçonaria. Todo o pedreiro-livre católico tinha dificuldade em a respeitar, atentos os erros de que enfermava. Por outro lado, um Papa setecentista não gozava já da autoridade e do prestígio intocáveis dos seus antecessores, séculos atrás. O católico dividia a sua obediência entre a Santa Sé e o Príncipe do seu Estado. Ora, entre a Igreja de Roma e os Estados, os conflitos e as contradições eram frequentes. Os Príncipes não hesitavam em expulsar os núncios e em cortar relações oficiais com o Papa, quando se sentiam ofendidos nos seus brios de governantes. Tinha-o feito, em Portugal, D. João V, pouco tempo antes da bula “In Eminenti”, e voltaria a fazê-lo D. José, algumas décadas depois. O Estado não apreciava intromissões de Roma em assuntos que podiam colidir com a sua jurisdição interna, e esse era afinal o caso da existência ou não existência de lojas maçónicas. Para que uma bula entrasse plenamente em vigor, exigia-se-lhe, em quase todos os Estados católicos, o acordo do Príncipe respectivo, aquilo a que se chamava o Beneplácito Régio. Ora, o Estado português não o concedeu àquela bula. É verdade que, no caso de Portugal e de alguns outros países, o Estado demonstrava ainda pouca força perante o poder paralelo que a Igreja nele introduzira. Referimo-nos à Inquisição (maldita jdact), autêntico «Estado dentro do Estado», a qual, no Portugal joanino, exercia contra os cidadãos poderes quase discricionários, estando apta a citá-los, prendê-los, interrogá-los, julgá-los e conservá-los no cárcere o tempo que bem entendesse.

Clemente XII
Cortesia de editorialpresenca

Na prática, a bula “In Eminenti” dirigia-se sobretudo às Inquisições e ao seu arbítrio persecutório. Introduzia mais um crime, cuja alçada lhe passava a caber. Esse carácter quase exclusivamente «inquisitorial» da luta contra a Maçonaria viria a revelar-se de enorme importância nos começos do século XIX, quando um Estado mais forte, saído das reformas pombalinas, verificou a inexistência de qualquer lei civil contra a Ordem Maçónica e a impossibilidade, pelo menos teórica, de prender, julgar e condenar pelo simples motivo de se ser pedreiro-livre.
A bula “In Eminenti” estava, além disso, ambiguamente redigida. Se condenava, sem sofismas, as lojas e a participação dos católicos nelas, não condenava, em contrapartida, as iniciações na Maçonaria. Em teoria, um católico que se fizesse iniciar pedreiro-livre e que, depois, não participasse formalmente nos trabalhos em loja, não ficava excomungado. Tratava-se, claro está, de um sofisma, mas que pôde ser invocado, décadas após, por maçons vítimas de perseguições e bons conhecedores das leis.
Por último, insista-se em que a bula papal não alcançou todos os seus propósitos porque contrariava o espírito do tempo. Tal como o famoso “Syllabus”, mais de um século depois, era um texto excessivamente reaccionário e repressivo, que se opunha de frente às tendências da Europa das Luzes. Embora ela própria não tivesse então consciência do facto, a verdade é que a Maçonaria se situava na vanguarda do Humanismo da época. Advogando o convívio íntimo de homens de todas as crenças, de todas as classes, de todas as etnias e de todas as opiniões, a Maçonaria era a melhor bandeira do espírito das Luzes.


Cortesia de editorialpresenca

Não havia bulas nem leis que a pudessem destruir.

O que ficou dito não pretende menosprezar a importância prática do documento pontifical. O texto de Clemente XII veio a pesar duramente na atitude de todos os seus sucessores, até à actualidade. Não desejando desautorizar um pontífice, a Santa Sé foi obrigada a manter uma condenação em épocas em que sacerdotes e prelados se faziam iniciar na Ordem Maçónica. As Inquisições, receosas dos ventos que contra elas sopravam, viram na perseguição aos pedreiros-livres mais uma razão da sua existência e da sua imprescindibilidade. E, pior do que tudo, o comum dos católicos, ignorante de factos e de subtilezas, passou a ver no maçon um excomungado, um pactuante com o Demónio, um pária, um homem de mal que a todo o custo convinha destruir. Em Julho de 1738, se não antes, a Inquisição (maldita, jdact) portuguesa teve conhecimento da bula papal. Logo em 18 desse mês, mandou chamar um seu conhecido, o padre Charles O'Kelly, membro influente da comunidade irlandesa em Lisboa. Este sacerdote, que não era maçon, mas que sabia as linhas gerais da existência da loja, fez uma descrição sumária do fenómeno, no que foi corroborado por outro irlandês, o sargento-mor do Exército, Maurício Luís Magno, ouvido no mesmo dia. Em 1 de Agosto seguinte, vieram autodenunciar-se os primeiros maçons, o tenente de Cavalaria Denis Hogan e o coronel de Infantaria Hugh O'Kelly, Venerável da loja; seguiram-se-lhes, em 16 de Setembro, mais dois irmãos da loja, e em 16 e 18 de Outubro, outros três. A Inquisição chamou ainda a novo depoimento alguns dos já denunciados. Sem qualquer dificuldade, obteve todos os dados de que precisava e parece ter acreditado neles. Já em 30 de Setembro, escrevendo ao Secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Firrao, o Inqúsidor-Mor limitava-se a transmitir o resumo das declarações dos ouvidos, de que nada se praticava contra a Fé e de que todas as reuniões tinham cessado». In A. H. Oliveira Marques, História da Maçonaria em Portugal, das Origens ao Triunfo, Editorial Presença, 1990, Depósito legal nº 34986/90.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT