quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Mário A. Nunes Costa. Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz. «Já sobre ele haviam passado duas dezenas de anos quando, em 1384 (Maio, 12), Fr. Lourenço, ao tempo guardião do mosteiro de S. Francisco de Estremoz, compareceu perante o escudeiro Gil Simões, juiz na mesma vila, e fez ‘ler e proujcar’ o respectivo texto ‘esprito em purgamjnho e feyto e asjnado per mão de Vicente Bertollameu’»

Cortesia da academiaportuguesadahistoria

Para uma biografia de Vasco Esteves de Gatuz
«Para assegurar a execução das suas últimas vontades, Vasco Esteves instituiu testamenteira a sua mulher, a quem garantiu a manutenção no caso de lhe sobreviver. Caso esta casasse de novo ou morresse, seriam executores João Eanes, o já citado primo, e João Miguens, um e outro beneficiados no testamento.
A finalizar, previu a despesa de cinco libras por ano para pagamento de jantar aos juízes e procurador do concelho de Estremoz, quando, para fiscalização do cumprimento, tomassem contas de quanto deixava disposto.
O testamento de Vasco Esteves foi feito a 5 de Abril de 1363. «Despois desto oyto dias do sobredito mes d'Abrjll da sobredita era», o tabelião voltou à casa do testado, para lavrar um codicilo. Vasco Esteves, «jazemdo hj doemte em hüa cama», mas «com todo seu sjso e entendjmento comprido», prudentemente corrigiu o teor inicial, ao determinar e explicitar que quem quer que fosse contra as suas últimas vontades, em parte ou no todo, se alguma coisa lhe tivesse sido por ele atribuída, em tal caso nada recebesse. Impunha, assim, com firmeza, as suas decisões e cortava cerce com invejas ou veleidades cobiçosas.
Testamento do escudeiro Vasco Esteves
jdact

Caminhos de um testamento
A vida dos testamentos é muitas vezes efémera. A vida do testamento de Vasco Esteves não foi tão efémera como à primeira vista se poderá supor. A maior parte das suas disposições eram, é certo, de execução imediata. Mas continha outras que o fizeram chamar à colação durante séculos, para orientar ou esclarecer actos administrativos e dirimir questões judiciais.
Já sobre ele haviam passado duas dezenas de anos quando, em 1384 (Maio, 12), Fr. Lourenço, ao tempo guardião do mosteiro de S. Francisco de Estremoz, compareceu perante o escudeiro Gil Simões, juiz na mesma vila, e fez «ler e proujcar» o respectivo texto «esprito em purgamjnho e feyto e asjnado per mão de Vicente Bertollameu». Nesse dia, o mosteiro recebeu uma pública forma do documento, escrita por Álvaro Pires, ao tempo tabelião local.

NOTA: Este Fr. Lourenço é o guardião de S. Francisco de que nos fala Fernão Lopes na Crónica de D. João I, cap. XLIII: «Como o castello de Portalegre e o d’Estremoz forom tomados». Serviu de intermediário entre o povo da vila e o alcaide do seu castelo, João Mendes de Vasconcelos, e, com outros, conseguiu a concordância do alcaide em entregar a alcaidaria de Estremoz aos partidários do Mestre de Avis. Margarida Vicente teve Fr. Lourenço em elevada estima. Ao exprimir as suas últimas vontades, declara-o seu conselheiro, nomeia-o vedor do seu testamento e lega-lhe vinte libras para um hábito.

Setenta anos após, em 1454 (Agosto, 17), houve novo interesse pelo testamento. Compareceram no mosteiro de Estremoz o juiz ordinário da vila, de seu nome Fernão de Oliveira, escudeiro, e Fernando Álvares das Medães, também escudeiro e nela morador. Era então guardião Fr. Rodrigo. O escudeiro Fernando Álvares requereu ao juiz, em nome do cavaleiro Rui Dias Cabral, então administrador de capela instituída por Vasco Esteves, que Fr. Rodrigo lhe desse um traslado do testamento, ao que o guardião logo acedeu, desde que fosse na íntegra.
João Afonso de Bragança, ao tempo tabelião del-rei em Estremoz, escreveu o traslado e apôs o seu sinal.


Mosteiro de S. Francisco. Estremoz
jdact

Noventa anos volvidos, em pleno século XVI (1544, Agosto, 27), «amtras portas das pousadas do licenciado Mateus Teyxeira, corregedor e prouedor com allcada nesta Comarqua», compareceu o padre Fr. Francisco, vigário do mosteiro agora dos padres seráficos da Regular Observância da Província dos Algarves em Estremoz. Talvez por o pergaminho de 1384 se haver extraviado, foi o vigário que pediu «ho trellado do testamento de Vasco Esteves de Gatuz, defunto cujas capellas se camtam no dyto mosteiro». Por mandado do corregedor, foi-lhe dada uma pública forma com o teor extraído do Tombo das Capellas da Comarca, feita por Gaspar Dias, escrivão da Provedoria da Comarca da vila de Estremoz.

É esta pública forma, escrita em papel, a que contém o texto avulso mais antigo que conhecemos do testamento de Vasco Esteves. Como e quando passou da posse do mosteiro para o Real Archivo da Torre do Tombo, não sabemos. O certo é que em 1776 já a1i estava. E no Arquivo Nacional português se conserva.

Pendor franciscano de Vasco Esteves
O impacto da entrada em Portugal das ordens mendicantes no século XIII foi grande, a avaliar pelas várias casas, cerca de duas dezenas em meio século, que franciscanos e dominicanos logo fundaram, e pelas oposições que tiveram de enfrentar, da parte do clero secular e das ordens militares já instaladas». In Mário Alberto Nunes Costa, Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz, Academia Portuguesa da Historia, 1993, ISBN 972-624-094-8.

Cortesia da AP da Historia/JDACT