quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «E admite Correia da Franca "que na Serenissima Caza havia muitas preciozidades de devoção, e Relíquias como era hum Espinho da Coroa de Christo S.or que se conservava no Thezouro do Palacio do Duque, com a instituhisão de Vinculo da mesma Serenissima Caza, que com tudo o mais foi incendiado pelo Terremoto do 1º de Novembro do anno de 1755"».

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

A reforma de 1756 de Manuel da Maia e Manuel António de Ataíde
«O recurso a este expediente reconhece-se utilíssimo e eficaz, porquanto muitos desses documentos levou-os ou este ou outro dos posteriores incêndios da maldição que recaiu sobre o antigo cartório. E o que vale, reafirmo, é que nos sobejantes hoje disponíveis outras e muitas certidões conferidas, insertas em diversos processos de pleitos e sentenças, revelam inesperadas e preciosas informações históricas.

O padre Ataíde, ele próprio, tem de recorrer à decisão régia para confirmação do cargo de cartorário do Estado da Sereníssima Casa de Bragança, pois o alvará que em 18 de Dezembro de 1754 o nomeara também desaparecera ‘no incêndio sucessivo ao terramoto que houve nesta Cidade’, o que, de facto e logicamente obteve favorável despacho em 1757, Dezembro 16. Obtivera o lugar por dele se ter demitido Manuel da Maia, que prosseguira como guarda-mor da Torre do Tombo, é ele que autentica com assinatura e selo a quase totalidade das centenas de certidões extraídas para a reforma do cartório brigantino. 700 mil réis foi o ordenado estipulado a Manuel António de Ataíde, que, falecido entretanto a 29 de Janeiro de 1764, logo por documento de 17 de Fevereiro foi substituído por José da Silveira Morais Barba Rica, que fora, com outros funcionários escolhidos, um dos seus mais dedicados colaboradores na obra de levantamento do Cartório.

O Tesouro do Cartório
Por curiosidade, e pelo inegável interesse de que se reveste a informação para a própria história que estamos contando, acrescenta-se a notícia que por documentos desta data denuncia a existência do que poderemos chamar o “Tesouro do Cartório da Casa de Bragança”, do qual, aliás, encontrámos referências em outros livros, que desta forma se confirma, mas do qual também nunca mais se soube.

Cortesia de wikipedia

O Termo de Inventário datado de 10 de Fevereiro de 1764, lavrado:
  • "na traveça do Arco de Jezus junto à Rua formoza nas cazas em que morava o Cartorario do Sereníssimo Estado, e Caza de Bragança o Padre Manoel Antonio de Athayde ahonde eu Escrivam da Camara, e Justiças do mesmo Sereníssimo Estado viera comn Jozeph da Silveira Morais Barbarrica Cavaleiro profeço na Ordem de Christo, novamente provido do dito emprego" (...), descreve a existência de "todas as cartas, cofre, papeis, Doações, e livros, que na Caza do mesmo Cartorário falecido" se acharam e "sam as seguintes".
Resumem-se os maços e livros provindos das quatro comarcas e outros papéis, e ainda os tais tesouros, constituídos por um maço de sete cartas originais de vários santos, a saber:
  • 1 de Santo António de Lisboa,
  • 2 de S. Bernardo,
  • 1 de S. João da Mata,
  • 1 de Santa Catarina de Sena,
  • 1 de S. Luis de Gonzaga,
  • e outra da Infanta D. Joana, acompanhadas de uma cruz de metal com várias relíquias dentro.
NOTA: O inventário incluído no Tomo I das Memórias /de /tudo o que pertence à Sereníssima Casa de Bragança ,preparadas por J. S. M. Barba Rica em 1767 para uso de Jorge Manuel da Costa, pormenoriza que das 2 cartas de Bernardo, uma está escrita em português e é datada de 20 de Maio de 1141 e a outra, em francês, é de 2 de Agosto de 1185; a de S. João da Mata é de l0 de Maio de 1197; a de Santo António, de 2 de Março de 1223; a de Sta. Catarina, em língua italiana, é de 3 de Agosto de 1378; a de S. Luís de Gonzaga, de 12 de Março sem indicação do ano, está escrita em espanhol, e a da Infanta Santa Joana, em português, é de 22 de Janeiro de 1570. Não podem, porém, deixar-se passar em vão os anacronismos de duas destas cartas: uma de S. Bernardo com data posterior à sua morte em 1185 e a da Princesa Santa Joana, falecida em 1490, sendo a carta datada de 1570, o que logo nos pode conduzir à legitimidade, se não se tratar de admissível erro paleográfico.

O Secretário e escrivão da Câmara e Justiças da Junta da Serenissima Casa José António Correia da Franca foi no dia 5 do referido mês de Fevereiro à Travessa de Jesus e aí, de facto, achou na gaveta de um bufete embrulhadas numa folha de papel "huma Cruz pequena, com sete repartimentos dentro, em que se achão algumas santas Relíquias; e mais sete cartas de varios Santos", o que ele, secretário, supõe ser tudo verdadeiro "pela veneração com que forão restituhídas em anno de 1757 ao Tenente General Manoel da Maya mandadas do Convento de Rilhafoles e que enviou para guarda no Cartório".
E admite Correia da Franca "que na Serenissima Caza havia muitas preciozidades de devoção, e Relíquias como era hum Espinho da Coroa de Christo S.or que se conservava no Thezouro do Palacio do Duque, com a instituhisão de Vinculo da mesma Serenissima Caza, que com tudo o mais foi incendiado pelo Terremoto do 1º de Novembro do anno de 1755".

Reprodução do documento 1. MS. IG. 2000/NG. 24, fls. 4-7
jdact 

Que tudo, segundo parecer de Manuel da Maia, se deveria guardar não em casa dos escrivães, nem na do defunto Ataíde, nem na de BarbaRica, pela insegurança, "porque de nenhuna dellas se satisfaz a minha cautella á vista do que tem succedido em alguns livros das Chancelarias dos Fidelissimos Senhores Reys D. João o quinto, e D. Joze o primeiro, que se queimarão nas cazas dos Escrivâes, que tinhão levado para ellas tirando-os do tribunal da Chancellaria, em que se uzão, e só se deve escrever nelles, a qual disgraça, lê-se ainda no importante documento subscrito pelo guarda-mor da Torre do Tombo, he irreparavel, e com discredito do Archivo, aonde os tais livros se costumão conservar para socorro das partes, que procurão os traslados dos seus documentos; e que não sendo descubertos entendem-se, ser falta procedida do Archivo, e não do incendio das cazas dos Escrivães, o que muito se costuma encobrir".
Por todas estas razões, é de parecer "que no corpo do Edifício do Tribunal se faça eleição de lugar para o Carthorio para sua mayor segurança, e conservação, e também para ser vizitado, e observado promptamente pelo Procurador do Estado, a quem tocará a approvação, e inteireza de tudo, o que nelle se deve executar".

Esta "reformação" do Cartório durou seu tempo, no mínimo até Setembro de 1760, data do último registo das despesas com os oficiais que lhe assistiram, mas o facto do inventário de Correia da Franca ser datado de 1 de Fevereiro de 1764 deixa entender que se terá dado por findo o exaustivo trabalho de recuperação e reordenação. Doações, Privilégios, Sentenças e Posses extraídas da Torre do Tombo, Aforamentos e Emprazamentos dos Almoxarifados constituíam então o renovado acervo da antigo cartório brigantino». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

Continua
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT