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PLIN.3,6
In eo prima Hispania terrarum est, ulterior appellata, eadem Baetica, mox a fine Murgitano citerior eademque Tarraconensis ad Pyrenaei iuga. Ulterior in duas per longitudinem prouincias diuiditur, siquidem Baeticae latere septentrionali praetenditur Lusitania amne Ana discreta. Ortus hic in Laminitano agro citerioris Hispaniae et modo in stagna se fundens modo in angustias resorbens aut in totum cuniculis condens et saepius nasci gaudens in Atlanticum effunditur. Tarraconensis autem adfixa Pyrenaeo totoque eius a latere decurrens et simul ad Gallicum oceanum Hiberico a mari transuersa se pandens Solorio monte et Oretanis iugis Carpetanisque et Asturum a Baetica atque Lusitania distinguitur.
Comentário
Plínio 3,6
“in eo” - Com esta expressão Plínio estabelece ligação com o período anterior. “Eo” refere-se ao primeiro grande ‘sinus’ do Mediterrâneo que se estende desde “Calpe” até ao “promunturium Bruttium”.
“prima Hispania terrarum est” - Alteração da ordem normal pela interposição de ‘Hispania’ entre dois elementos correlacionados. Com este processo se coloca ‘prima’ em lugar de destaque, acentuando deste modo a ideia de primazia. Não podemos deixar de notar que “Baetica” está “in clausula”, assinalando-se, pela sua posição nos extremos, os dois elementos principais.
“Ulterior appellata eadem Baetica” O elemento comum “appellata”, também o menos importante, ocupa a posição central, enquanto que os nomes “Ulterior” e “Baetica” são postos em relevo pela sua posição na frase.
Parece haver uma contradição evidente entre esta afirmação e a que se faz um pouco mais adiante ao considerar-se a ulterior dividida em duas províncias. As duas realidades correspondem a momentos diferentes da presença romana na Península Ibérica, separados por alguns séculos. A afirmação aqui feita seria válida durante o período que se segue à criação, em 197 a.C. de, de duas províncias na Hispânia, a “Ulterior” e a “Citerior”. No tempo de Plínio, contudo, esta nomenclatura estava desactualizada, visto todos os autores estarem hoje de acordo em atribuir a Augusto o desmembramento da Ulterior em Bética e Lusitânia, embora se discuta ainda a data precisa em que tal aconteceu.
Dessau pensa que ela deverá ter ocorrido em 2 a. C., por isso, considera posterior a essa data uma inscrição em que se atribui à “Hispania Ulterior Baetica” a designação de “prouincia pacata”. A maioria dos estudiosos concorda em recuar esta ocorrência para uma data compreendida entre 27 e 12 a.C., dado que a Lusitânia figurava já como província autónoma no mapa de Agripa. Albertini interpretou uma informação de Díon Cássio que permitiria, segundo ele, considerar que em 27 a.C. já existiriam as três províncias da Hispânia. A principal objecção que se levanta reside no facto de “Augusta Emerita”, a capital da Lusitânia, ter sido seguramente fundada em 25 a.C.. Mais prováveis parecem ser as datas que se aproximam de 12 a.C. e que têm sido sugeridas por diversos autores, sem que haja, entanto, um acordo pleno a esse respeito.
Cortesia de wikipedia
“a fine Murgitano Citerior eademque Tarraconensis ad Pyrenaei iuga” - A inclusão de “Citerior eademque Tarraconensis” entre as duas expressões correlacionadas introduz uma nítida simetria na construção deste período, cujo centro é ocupado pela expressão referida. Os elementos que a enquadram são muito semelhantes, mas neles podemos notar o quiasmo na posição do atributivo geográfico. Significativo é, a nosso ver, o facto de se tratar no texto de uma questão de limites, de tal modo que as expressões que definem as fronteiras são precisamente os extremos da frase, estabelecendo-se, deste modo, uma correspondência entre os planos da expressão e do conteúdo.
“mox” - O elemento que introduz esta frase contrapõe-se a “prima”, que inicia a anterior.
São aqui omitidos elementos já presentes na frase anterior (“Hispania, est, appellata”), como corolário de uma tendência geral (e de Plínio. em particular) para a brevidade da linguagem científica, facto que se manifesta sob variadas formas.
A “fine Murgitano” - O termo de “Murgis” é aqui considerado fronteira, junto à costa, entre a Bética e a Tarraconense, o que nem sempre aconteceu. Essa localidade, tradicionalmente e com base numa falsa etimologia, situada em Muxacra ou Mujácar, tem sido identificada por alguns autores com a actual Dalias e por outros com Ciavieja, nas proximidades de Almería. Na maioria dos autores clássicos esta função é atribuída a “Carthago Noua”. O próprio Plínio nos informa que foi com base neste último dado que Agripa elaborou o seu mapa e que, por esse facto, as medidas nele contidas não eram iguais às do seu tempo. Da análise deste passo pliniano resulta que o estabelecimento desse novo limite de província deve ser colocado entre 12 a.C. (data da morte de Agripa) ou 7 a.C. (ano em que o mapa foi concluído) e 2 a.C.. Teria sido com base noutros documentos oficiais, provavelmente de carácter administrativo, ou nas estatísticas oficiais que Plínio estabeleceu esta fronteira. Prieto e Marín pensam que as razões que levaram Augusto a proceder a esta modificação se prendem com o desejo de controlar importantes zonas mineiras situadas entre os dois limites.
[…]
Que o Guadiana era fronteira entre a Lusitânia e a Bética repete-o com frequência Plínio e encontra-se igualmente referido em MELA 2,78. Considerando-a embora genericamente correcta, a historiografia moderna tem encontrado elementos que permitem duvidar da exactidão desta notícia. O caso mais discutido relaciona-se com a parcela de território da margem esquerda do Guadiana nas proximidades de Mérida, que pertencia à Lusitânia. Esta questão, já colocada por Hübner a respeito de “Metellinum”, foi posteriormente esclarecida por alguns estudiosos que eliminaram algumas imprecisões da sua formulação inicial. Arias retomou o assunto à luz do texto que descreve a paixão de S. Eulália a que García Iglesias acrescenta os contributos da epigrafia e algumas referências de autores clássicos. Estes dados permitem concluir que, contrariamente ao que Plínio e Mela diziam, a Lusitânia ia além do Anas. Recentemente Sillères veio trazer uma achega fundamental para a resolução do problema ao localizar as centuriações de Mérida do lado de lá do GuadianaaT, partindo da referência que delas faz Higino.
No mesmo trabalho, García Iglesias aborda igualmente idêntica questão, mas relativa ao território português de além-Guadiana, concluindo não haver dados que permitam resolver o diferendo entre os historiadores. Mais tarde, porém, Francisco Martín volta ao assunto em defesa da pertença à Lusitânia do território em causa, fundando-se em boa parte nos dados do ITIN. Anton. Aug. 426 e 427, na atracção da fronteira e em argumentos de ordem administrativa e económica». In Amílcar Guerra. Plínio, O Velho, e a Lusitânia, Arqueologia e História Antiga, Edições Colibri, 1995, ISBN 972-8047-97-5.
continua
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