domingo, 8 de janeiro de 2012

A outra faixa vai sempre mais depressa. Nuno Crato. «Quando ultrapassamos os carros de outra fila, isso acontece porque esses estão parados ou a andar mais devagar. Nessas alturas estão mais compactados, com menos espaço entre cada viatura, pelo que rapidamente ultrapassamos muitos carros»

Cortesia de aalmaemcoisas

«O João e a Joana saíram de casa pelas oito e atravessaram o rio para chegar ao escritório onde ambos trabalham, em Lisboa. As filas começavam muito antes da ponte, e a Joana conduzia calmamente pela faixa da direita. O João, que vinha atrás dela, mudou para a faixa da esquerda e ultrapassou-a. Mais à frente, a sua faixa parou e o João viu os carros da faixa da direita a ultrapassarem-no. Numa manobra brusca, aproveitou uma aberta e mudou-se de novo para a faixa da direita. Azar! Nesse momento essa faixa Parou de novo.
Esperou um pouco, impotente, até que se abriu uma nova possibilidade de mudar de faixa. Com uma manobra ainda mais arriscada que a anterior mudou-se outra vez para a faixa da esquerda e pareceu-lhe ter ganho terreno. Mas o trânsito parou de novo e a cena repetiu-se. A Joana continuou sempre calmamente na faixa da direita. Passado bastante tempo, depois de múltiplas manobras furiosas, o João sobreviveu ao perigo e chegou ao trabalho. Chegou a horas, pensando que o esforço valera a pena. Mas olhou para o lado e viu que a Joana já tinha arrumado o seu carro e estava a entrar no edifício...

De uma forma ou de outra, todos os condutores passaram já por experiências semelhantes. É paradoxal, mas a faixa do lado parece sempre ir mais depressa. No entanto, mal nos deslocamos para ela, parece que era a outra faixa, afinal, que andava mais. Os que mudam constantemente de posição põem em risco a sua segurança e a dos outros, mas acabam, em média, por não conseguir andar mais depressa.
O problema é intrigante. De tal forma que dois estatísticos resolveram estudá-lo, utilizando um modelo matemático e simulações em computador. Donald A. Redelmeyer, da Universidade de Toronto, e Robert J. Tibshirani, da Universidade de Stanford, publicaram um curto artigo sobre o assunto na ‘Nature’. Posteriormente, publicaram na revista ‘Chance’ um estudo mais completo. As suas conclusões são surpreendentes. A ilusão de a outra faixa andar mais depressa baseia-se em vários factores objectivos. A subjectividade é apenas parte do problema.

Numa fila compacta de trânsito, o comportamento das viaturas nunca é perfeitamente homogéneo. Há sempre umas que andam com velocidade mais inconstante, umas que arrancam mais depressa e outras mais devagar, uns condutores que hesitam e outros que se enervam. A complicar as coisas, a separação entre as viaturas é uma função (não linear) da sua velocidade. Quanto maior esta é, tanto maior tem de ser a distância entre as viaturas. O resultado é que uma fila de carros, a partir de um dado volume de trânsito, anda aos solavancos, pára e arranca, mesmo que não haja semáforos ou cruzamentos a impedirem o caminho. Quando a fila arranca, os carros não avançam todos ao mesmo tempo.

Cortesia de havidaemmarta

Cada viatura só arranca depois da que está à sua frente. Quando a fila pára passa-se o mesmo, parando primeiro os carros da frente e depois os de trás. Por isso, uma fila compacta tem um movimento longitudinal oscilatório.
Quando duas ou mais filas avançam lado a lado e cada uma delas oscila, em movimentos de pára-arranca, há momentos em que cada carro é ultrapassado pelos da fila do lado e momentos em que se passa o contrário, em que é este que os ultrapassa. O objectivo do estudo dos estatísticos Redelmeyer e Tibshirani foi comparar esses momentos. Para o efeito, simularam em computador duas filas com movimentos semelhantes aos das verdadeiras filas de viaturas, mas não permitiram que as viaturas mudassem de faixa.
Esta simulação não é fácil e é preciso introduzir a aleatoriedade inerente a cada viatura. Nos estudos habituais de tráfego não se entra em consideração com esses parâmetros individuais, pois apenas interessa o seu fluxo global. Daí que o estudo destes dois estatísticos seja inovador.
Pondo a simulação a correr em computador Redelmeyer e Tibshirani concentraram-se em viaturas individuais aleatoriamente escolhidas para referência e compararam dois tempos: o tempo médio que uma viatura passava a ultrapassar as outras e o tempo médio em que estava a ser ultrapassada. Aqui começaram as surpresas.
Enquanto a densidade do trânsito é pequena e os carros fluem sem problemas, o modelo dá um equilíbrio entre o movimento das filas. Cada viatura é ultrapassada, em média, mais ou menos tanto tempo como o que leva a ultrapassar as da faixa do lado, há um equilíbrio de longo prazo.
Quando a densidade de trânsito aumenta, contudo, começa a haver um desfasamento entre as passagens e as ultrapassagens, cada veículo passa mais tempo a ser ultrapassado do que a ultrapassar. Apesar disso, todos os veículos demoram o mesmo tempo médio a fazer um dado percurso.
O facto é surpreendente. Como podemos passar mais tempo a ser ultrapassados pelas viaturas da outra faixa do que a ultrapassá-las e, mesmo assim, demorar todos o mesmo tempo médio a fazer o percurso?

NOTA: duas filas de trânsito paralelas podem mover-se à mesma velocidade média e, mesmo assim, cada carro passar mais tempo a ser ultrapassado do que a ultrapassar os outros. É o que mostra neste exemplo de duas filas de trânsito paralelas, em movimentos desfasados de ‘pára-arranca’. No exemplo, nenhuma viatura muda de fila. Cortesia de Sofia Rosa.


Cortesia de aterceiranoite

A explicação é simples, embora seja difícil de visualizar. Quando ultrapassamos os carros de outra fila, isso acontece porque esses estão parados ou a andar mais devagar. Nessas alturas estão mais compactados, com menos espaço entre cada viatura, pelo que rapidamente ultrapassamos muitos carros. Suponhamos que num minuto ultrapassamos 50.
Quando somos nós que estamos a ser ultrapassados, pelo contrário, são as viaturas da faixa que nos passa que conduzem a uma velocidade mais elevada, e que por isso estão mais espalhadas. Para que igual número de viaturas, as tais 50, nos ultrapasse, é necessário mais tempo, possivelmente, dois minutos. Por esta razão, cada viatura passa mais tempo a ser ultrapassada do que a ultrapassar as outras, para, afinal, chegarem todas ao mesmo tempo. Mudar de faixa é arriscado e não costuma valer a pena». In Nuno Crato, A Matemática das Coisas, Gradiva, Temas de Matemática, 2008, ISBN 978-989-616-241-2.

Cortesia de Gradiva/JDACT