Cortesia de novavega
Os Judeus em Portugal até à Expulsão de 1496
Vestígios dos primeiros judeus em Portugal
«A presença judaica no território que constitui Portugal há mais de oito séculos tem sido muito debatida entre os historiadores, mas os escassos vestígios existentes não permitem reconstituir uma memória continuada da vida das primeiras comunidades, quer na Antiguidade, quer no período visigótico, quer mesmo durante o domínio muçulmano. Em todo o caso, graças aos estudos das últimas décadas, é hoje possível provar a existência de judeus em Portugal muito antes do nascimento do nosso reino, no século XII.
Acredita-se que os primeiros judeus chegaram à península Ibérica antes da Era Cristã, transportados por barcos fenícios, logo após a conquista de Jerusalém por Nabucodonosor e a destruição do Primeiro Templo hebraico no ano de 587 a.C., integrados na diáspora forçada. Mais persistentemente, os historiadores sustentam que a sua presença em solo ibérico terá ocorrido após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém pelo imperador romano Tito, no ano 70 d.C.,em pleno Império Romano. Alguns autores rabínicos atribuem a entrada dos primeiros judeus nas Hespanhas ao tempo de Nabucodonosor, recorrendo ao método comparativo da etimologia toponímica; outros, situam esse facto na época de Salomão, ou a cerca de um século antes de Cristo. A historiografia não demonstrou cabalmente estas teses.
Na verdade, de acordo com Armando Silva e Rui Centeno, os mais antigos vestígios judaicos encontrados em território português estão datados do século I d.C., através de um conjunto de moedas encontradas perto de Mértola no ano de 1968. O conjunto monetário de Mértola é constituído por onze meios-quadrantes, datáveis do período entre os anos 6 e 59 d.C., o que confirmará a presença judaica no futuro reino de Portugal ainda antes da destruição do Segundo Templo.
Um outro estudo confirma a presença de judeus no século II. Trata-se de um trabalho de Graça Cravinho, que revelou uma pequenina peça glíptica, uma pedra de anel com a gravação de um ‘Menorah’ e outros símbolos judaicos. Esta peça (juntamente com outra) foi encontrada nas ruínas da antiga cidade romana de Ammaia (Aramenha), perto de Marvão, no Alentejo.
Mendes dos Remédios assegura que havia judeus na Península Ibérica no século III. Seguramente, no início do século IV da Era Cristã os judeus já viviam integrados nas comunidades ibéricas. No período da dominação romana os judeus estavam misturados com o resto da população da Hispânia, praticavam as mesmas actividades económicas, não se destacavam pela prática da usura e só se distinguiam pela sua religião. Uma lápide funerária, que se encontra no Museu de Mértola, confirma a presença judaica no território português no século V (no ano de 482 d.C.). Outras duas lápides funerárias, que se encontram actualmente no Museu Arqueológico do Carmo, estudadas e datadas por Samuel Schwarz de cerca do século VI, encontradas no cemitério judaico de Espiche (Lagos), corroboram essa realidade. Não à, contudo, muita informação sobre os judeus no território português desde o Império Romano até ao domínio muçulmano na Península Ibérica. Mas, nos primórdios na nacionalidade, a informação é suficiente para demonstrar que as comunidades judaicas já aqui existiam ainda antes do nascimento do reino de Portugal.
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Seria o rei Afonso Henriques, o fundador da nacionalidade portuguesa, quem conquistaria Lisboa aos muçulmanos (ou "mouros") no ano de 1147, com a ajuda de Cruzados que se dirigiam para a Terra Santa. Um dos colaboradores de Afonso Henriques na Reconquista foi o seu Mordomo-Real e Cavaleiro-Mor, Iahudah ben Iahish ibn Iahia (ou Yahia Ben-Yahia), que foi recompensado pelo primeiro rei português com a doação de algumas aldeias e a concessão do direito ao uso de brasão. Este Iahudah era o pai de Ioseph ben Iahudah ibn Iahia, almoxarife-mor do reino e fundador da primeira sinagoga de Lisboa. No mesmo ano em que conquistou Lisboa, aquele monarca entrou também em Santarém, onde encontrou uma organizada comunidade judaica, com sinagoga. Estava assim confirmada a existência de judeus em Portugal desde os primórdios da nacionalidade e a sua importância na edificação do novo reino.
Os judeus no período medieval
A Reconquista veio criar um clima de tolerância entre cristãos e judeus, à semelhança do que acontecera em grande parte do período árabe. Desde a criação do reino de Portugal até ao Édito de Expulsão de Manuel I, em 1496, são os monarcas que constituem o fiel da balança entre as pressões clericais antijudaicas, com reflexos na crescente animosidade popular contra o hebreu, e a predominância económica e social dos judeus no período medieval português.
Com a ocupação do território antes dominado pelos muçulmanos, os reis Afonso Henriques e Sancho I contaram com a colaboração judaica para o seu povoamento, registando-se um aumento progressivo e significativo da população hebraica, que se reunia em torno das sinagogas, o centro religioso, social, cultural e político. A arrecadação das rendas públicas é entregue a judeus. Como já referimos, Yahía Aben-Yaisch, o primeiro rabi-mor, recebeu de Afonso Henriques (1143-1185) significativas propriedades como recompensa pelos serviços prestados durante a Reconquista, o que demonstra a intenção régia de ligar os judeus à terra, contrariando o estigma antijudaico de que só se dedicavam à usura, por "natural" incapacidade de desempenho agrícola. Além da colaboração militar e do almoxarifado, os judeus povoavam aldeias e póvoas inteiras, sinal de uma verdadeira integração no território português. Viviam, geralmente, misturados com os cristãos, embora já existissem algumas judiarias no tempo do nosso primeiro rei, não havendo, contudo, notícia de animosidade antijudaica por parte da população maioritariamente cristã.
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A política tolerante para com os judeus seguida pelo nosso primeiro rei foi continuada por seu filho. Sancho I (1185-1211), que nomeou seu almoxarife-mor José Ben-Yahía, neto de Yahía Aben-Yaisch, o edificador da primeira sinagoga de Lisboa, mediante autorização do próprio rei. Contudo, já se encontram registos de queixas dos bispos portugueses ao Papa em relação à protecção concedida pelo rei aos judeus, particularmente no que respeita à atribuição de cargos públicos com autoridade sobre os cristãos. Afonso II (1211-1223) regulamentou, através das Ordenações Afonsinas, as relações entre cristãos e judeus, privando-os de serem ovençais reais, de desempenharem cargos públicos que rivalizem com a religião maioritária e de possuírem criados cristãos, mas concedeu benefícios aos judeus convertidos ao cristianismo. O IV Concílio de Latrão, realizado no ano de 1215, determinou a distinção dos judeus, pelo traje, entre a população cristã, mas Afonso II não terá respeitado as pretensões do Papa Inocêncio III na sua aplicação. Igual tratamento tiveram as disposições régias que proibiam os judeus de serem oficiais tanto do próprio rei como dos membros da nobreza, que mereceram o sistemático incumprimento.
Em consequência do generalizado reconhecimento nos reinos ibéricos das especiais aptidões e idoneidade dos judeus para o desempenho de cargos de administração pública, designadamente tesoureiros e almoxarifes, Sancho II (1223-1248) deixou cair os postulados restritivos impostos por seu pai e nomeou judeus para os referidos cargos, o que resultou em pressões clericais (representadas pelo bispo Soeiro, de Lisboa, junto do Papa), que levaram Gregório IX a determinar a nomeação real de um superintendente cristão sobre os recebedores judeus e vedando a estes o exercício de cargos públicos que implicassem autoridade sobre os primeiros.
Afonso III (1245-1279) é considerado o legislador dos judeus. À semelhança de iguais atitudes legisladoras de Jaime I de Aragão e Afonso X de Castela, aquele rei regulamentou, em 1266, a especulação financeira hebraica, limitando os juros ao valor do capital emprestado, não evitando com essa medida os protestos populares contra as elevadas taxas que se continuavam a praticar tanto por judeus como por cristãos». In Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.
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