quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sistema Marcial Asiático. António José de Noronha. «O padre português, chamado pelos Franceses ‘Père Antoine’ ou ‘Padre Antonio de Meliapor’, acaba por dedicar maior esforço às iniciativas militares e diplomáticas de Dupleix do que à evangelização e à vida espiritual»

Plano e perspectiva da cidade de Goa
Évora, colecção Manizola
Cortesia de foriente

Edição e Introdução de Carmen Radulet
«Esboçar a biografia de D. António José de Noronha não é tarefa fácil, pois se algumas fases da vida de uma personagem tão complexa foram delineadas, mais ou menos satisfatoriamente, em estudos como os de José Heliodoro Rivara, Ismael Gracias, Closets d'Errey e Alberto da Silva Correia, outros aspectos e circunstâncias estão ainda indefinidos, interpretados de maneira aproximada, quando não mesmo traçados de forma passional ou manifestamente incorrecta. Nesta ocasião, não nos empenhamos numa reconstrução pormenorizada da vida deste Autor, mas apenas tentaremos definir os momentos mais significativos do ponto de vista biográfico e cultural, ultrapassando as posições polémicas que caracterizaram parte dos estudos que lhe foram dedicados.
No que respeita ao nascimento de António José de Noronha, quer Ismael Gracias quer Silva Correia, baseando-se numa petição registada no “Livros das Monções”, com certeza só indicam a data do seu baptismo: 14 de Julho de 1720.
Este elemento induz Ismael Gracias a aventar a hipótese de que:
  • «dado o escrúpulo com que se cumpriam antigamente e ainda hoje se observam em familias illustradas os preceitos da Egreja, é de suppôr que se não tivesse demorado muito a imposição dos santos oleos. Sendo o mez de julho de rigoroso inverno em Goa, seria talvez essa a causa da administração do baptismo em casa e da seródia apresentação ao registo parochial».
Por seu lado, Silva Correia assevere a este respeito que «D. Antonio José de Noronha, cuja data certa de nascimento não se conhece, foi baptizado em velha Goa aos 14 de Julho de 1720. É presumível que tenha nascido alguns meses entes, aí por Janeiro do dito ano».
Num texto de autoria do próprio António de Noronha até agora ignorado pela crítica, o “Diário dos sucessos da viagem que fez do Reino de Portugal para a cidade de Goa, Dom António José de Noronha, Bispo de Halicarnasse”, encontra-se uma referência de carácter autobiográfico que proporciona a seguinte informação:
  • «Nove meses e dous dias retido no ventre da minha Mai, dele sai pela permissão do Altíssirno quase leso dos sentidos de modo que me tinhão por morto o que causou grande choro aos meos Pais por espaço de duas horas com que existia na mesma lesão; foi o mesmo Senhor servido dos alentos da vida de sorte que abrisse olhos no teatro deste mundo em cinco de Julho de 1720».
A reflexão autobiográfica não só confirma a data exacta do seu nascimento - 5 de Julho de 1720 - como também esclarece os motivos que determinaram a administração do baptismo em casa, ou seja, o medo causado pela doença que manifestou no nascimento.

Plano e perspectiva das ilhas e províncias de Goa.
Biblioteca Nacional
jdact

António José de Noronha era filho primogénito de «Francisco de Noronha da Casa dos Arcos e de D. Cecília Anna de Menezes, neto pela parte paterna de Gil Eannes de Noronha Sarmento e de D. Leonor da Cunha e Souza da Casa do Prado e bisneto de Bernardo de Noronha e de D. Anna Sarmento e, pela parte materna, de Ruy Dias de Menezes de Casa de Cantanhede e de D. Antónia de Souza Coutinho, bisneto de Gaspar Carvalho de Menezes e de D. Cecília de Mello Sampay».
Trata-se, portanto, quer do lado paterno quer do materno, de nobres e ilustres famílias de luso-descendentes empenhadas na vida militar e na administração do Estado da Índia (particularmente na Província do Norte), mas, muito provavelmente, já em princípios do século XVIII desprovidas de grandes meios económicos. Esta situação condicionará profundamente a existência do jovem António José quando Francisco de Noronha, capitão-de-fragata, desaparece em 1729 durante um naufrágio e, sobretudo depois de a mãe, D. Cecília de Meneses, também falecer precocemente.

O filho primogénito do casal fica assim entregue aos cuidados da avó paterna, D. Leonor da Cunha e Sousa que o leva a entrar no convento de S. Francisco de Goa.
Como se verá, António José de Noronha não terá tido uma verdadeira vocação eclesiástica, mas sim uma inclinação bem patente para a vida militar e diplomática, sentimento vincado, aliás, em várias ocasiões nos seus relatórios, nos documentos justificativos, e confirmada pela acção efectivamente desenvolvida durante a vida inteira. A este propósito é significativa uma frase de carácter autobiográfico, inserida já nos últimos anos de vida, numa carta dirigida ao Marquês de Pombal:
  • «Não devo porém deixar de lembrar novamente a V Exa que eu sou o único Português titular da Corte do Grão Mogor e que também o sou da Corte de França [...] Em cujos termos, não duvidando eu dispir-me inteiramente do carácter eclesiástico para servir a Sua Magestade (segundo o meu génio) na profissão militar [...]».

Provável retrato de D. António
jdact

António José de Noronha começa a sua controversa carreira eclesiástica muito cedo, já, que, com menos de 16 anos, idade estabelecida pelo Segundo Concílio Tridentino para a profissão religiosa, recebe o nome de Frei António da Purificação, sendo enviado para a missão de S. Tomé de Meliapor na costa do Coromandel. Dentro em breve, apesar de uma provisão de D. João V pela qual era proibida a nomeação de religiosos com menos de 15 anos de profissão e de idade inferior a40, o padre franciscano alcança o lugar de vigário da Igreja da Nossa Senhora da Luz de Meliapor.

Encontrando-se na missão de S. Tomé de Meliapor, Frei António da Purificação, começa a visitar assiduamente em Pondichéry o seu governador, o marquês Dupleix, e a mulher deste, a luso-descendente D. Joana de Castro, tornando-se uma das figuras representativas da sociedade europeia da colónia francesa e, frequentemente, um ‘liaison officer’ do próprio Dupleix. Neste período, o padre português, chamado pelos Franceses «Père Antoine» ou «Padre Antonio de Meliapor», acaba por dedicar maior esforço às iniciativas militares e diplomáticas de Dupleix do que à evangelização e à vida espiritual. A sua atitude, os hábitos de vida e o facto de ter conseguido cargos eclesiásticos importantes por intercessão do Governador francês (em 1747 é, por exemplo,’visitador’ das missões de Coromandel e Pegú) e recompensas materiais significativas, desencadeia as reacções de outros religiosos que, por três vezes, propõem o seu caso à avaliação da Junta das Missões de Goa». In António José de Noronha, Sistema Marcial Asiático, edição de Carmen Radulet, Fundação Oriente, 1994, ISBN 972-9440-34-4.

Cortesia de F. Oriente/JDACT