quinta-feira, 29 de março de 2012

Breve História dos Judeus em Portugal. Jorge Martins. «Os judeus eram os ‘homens do Rei’ mas, apesar dos pesados impostos que pagavam, beneficiavam do direito de se organizarem em comunidades autónomas. Mesmo Manuel I, ao decretar em Dezembro de 1496 a expulsão dos judeus e mouros do território português, não poria em prática a política dos seus sogros…»



jdact

Comunidades Judaicas em Portugal entre os séculos XIII e XV
O édito de expulsão e o baptismo forçado
«A relação dos judeus com a população cristã foi aceitável, sobretudo se a compararmos com a da vizinha Espanha. Nem mesmo as queixas que surgem de forma acentuada durante o século XV chegam para contrariar o clima de tolerância que predominava em Portugal até ao ‘Édito de Manuel I’. A particular função social e económica que os judeus desempenhavam no reino fazia deles uma inestimável força produtiva. Cabia aos judeus portugueses a ocupação das trocas, a gerência financeira das rendas régias e particulares, a participação fundamental nas actividades artesanais, a contribuição muito significativa para o erário régio através dos pesados impostos que eram obrigados a pagar e a preponderância em algumas profissões liberais, tais como a medicina.

Com efeito, além da protecção régia, os judeus não tinham a oposição da grande maioria da nobreza e do clero secular. Mesmo com o povo, a situação só se agravou pela influência do anti judaísmo crescente na vizinha Espanha a partir de finais de trezentos. O tradicional anti judaísmo medieval assentava em pressupostos religiosos, estimulados pelas ordens mendicantes e pela inveja social da burguesia nascente das corporações e das comunas. Além disso, atendendo à confiança depositada pelos reis nos judeus quanto à administração financeira do reino, era compreensível que os arrecadadores de impostos reais projectassem sobre si o ódio.
A protecção real constituía, contudo, o traço dominante da relação dos judeus com a restante comunidade lusa, no que demonstrou uma eficácia reguladora da coexistência tolerante que vigorou até à acção da Inquisição (maldita) em meados de quinhentos: tanto no que respeita à controvérsia religiosa, que não produziu uma literatura antijudaica assinalável em Portugal nesse período, quanto aos movimentos antijudaicos, designadamente os massacres, que não destruiriam as comunidades judaicas portuguesas.

A literatura antijudaica em Portugal só surge verdadeiramente após a introdução da Inquisição (maldita) e os massacres são uma insignificante excepção ao clima de tolerância.
Para os 47 massacres de judeus na Península Ibérica nesse período, avançados por Amador de los Rios, poucos dizem respeito a Portugal. E mesmo esses são frugais e rapidamente ultrapassados sem deixarem estigma antijudaico continuado na sociedade portuguesa. Os massacres de Lisboa, Évora e Coimbra de 1385, ocorreram devido à invasão castelhana no âmbito da crise de 1383 - 1385; o de 1449 em Lisboa foi pronta e eficazmente debelado pelo rei; e os motins de 1482 - 1484 não alteraram a situação existente. Por outro lado, os ‘pogromes’ de 1391 em Espanha e a acção intolerante das conversões espanholas do monge dominicano Vicente Ferrer não produziriam efeitos em Portugal. A tradição da tolerância portuguesa sobreviveu a todas as investidas e tentações antijudaicas (particularmente as que vinham de Espanha) e os judeus puderam manter-se em clima aceitável até à criminosa emergência das perseguições inquisitoriais.

Os judeus eram os ‘homens do Rei’ mas, apesar dos pesados impostos que pagavam, beneficiavam do direito de se organizarem em comunidades autónomas. Mesmo Manuel I, ao decretar em Dezembro de 1496 a expulsão dos judeus e mouros do território português, não poria em prática a política dos seus sogros (Fernando e Isabel, os Reis Católicos), determinando, antes de terminado o prazo de dez meses para a saída dos judeus, o baptismo forçado, em 21 de Abril de 1497.
Na realidade, as circunstâncias que se viviam no reino português, que se lançava na expansão comercial marítima, não podiam dispensar os bons serviços judaicos, justamente aqueles que melhor estariam preparados para protagonizar essa nova política económica». In Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.

continua
Cortesia de Nova Veja/JDACT