quinta-feira, 29 de março de 2012

A Matemática das Coisas. Coisas do dia-a-dia. Nuno Crato. Atacadores e Gravatas. Parte 1. «A questão é surpreendente. Para a maioria das pessoas há apenas uma maneira aceitável de colocar os atacadores. A realidade, contudo, é que em culturas diferentes se colocam os atacadores de maneiras distintas»


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Atacadores e Gravatas
«Não há problemas de que os matemáticos gostem mais do que os realistas e simples de formular. Muitas vezes são esses os mais difíceis, e por isso mesmo mais interessantes.
Daí a paixão por questões aparentemente triviais, como a melhor forma de poupar os cordões dos sapatos!
As disposições possíveis dos atacadores tinham sido já estudadas pelo matemático John Halton que as tinha considerado como casos particulares do célebre problema do caixeiro viajante. Trata-se de um problema matemático difícil, inspirado numa situação bem real: um caixeiro quer passar por um número fixo de cidades, visitando-as todas apenas uma vez e tendo fixada a cidade de partida e a de chegada. O enfiamento de um atacador seria, afinal, o percurso de um caixeiro, sendo as ilhós, as casas onde os cordões se enfiam, equivalentes a cidades. Poupar nos atacadores seria equivalente a encontrar o percurso mais curto entre todas as cidades.
O problema foi abordado de novo pelo matemático australiano Burkard Polster e mereceu publicação na “Nature”, uma das revistas científicas mais prestigiadas de todo o mundo. Polster estudou sistematicamente as formas de enfiar os atacadores nos sapatos.

A questão é surpreendente. Para a maioria das pessoas há apenas uma maneira aceitável de colocar os atacadores. A realidade, contudo, é que em culturas diferentes se colocam os atacadores de maneiras distintas. Há o sistema americano e o sistema europeu, para dar apenas o exemplo dos procedimentos mais usuais. No primeiro caso, os atacadores são enfiados em ziguezagues complementares, aparecendo cruzados do lado de fora. No segundo, são colocados em ziguezagues alternados, de forma que, pela frente, as ilhós dos sapatos aparecem juntas por segmentos horizontais dos atacadores. Há ainda o sistema de fábrica, em que os atacadores fazem um ziguezague contínuo de alto a baixo e depois retornam acima em diagonal. Qual será o mais eficiente?

A primeira coisa curiosa é que há um número astronómico de opções. Para os sapatos com duas fileiras de cinco ilhós cada, Polster verificou existirem 51 840 maneiras diferentes de enfiar os atacadores. Esse número cresce para os milhões quando o número de ilhós aumenta.
Polster restringiu-se então a processos de colocar os atacadores que preenchessem necessariamente todas as ilhós e permitissem puxá-los esticando-as todas, isto implica, por exemplo, que não se podem passar os atacadores por três casas sucessivas do mesmo lado, pois isso não esticaria individualmente a casa do meio. Depois definiu critérios de eficiência». In Nuno Crato, A Matemática das Coisas, Gradiva, Sociedade Portuguesa de Matemática, Abril 2008, ISBN 978-989-616-241-2.

Cortesia de Gradiva/JDACT