domingo, 25 de março de 2012

Páginas Desconhecidas: O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870. «Tudo isto lançou no espírito público uma grande desconfiança sobre o que os órgãos desses mesquinhos e desprezíveis partidos afirmam, quando combatem. Tudo isto também nos colocou na obrigação, a nós que representamos uma ideia, e não uma vaidade, de estudar conscienciosamente os factos antes de os apresentarmos»


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«O partido republicano, de que este jornal é a voz, não precisa, como os pequenos grupos constitucionais, caluniar para derrubar, fazer dum boato uma arma, e servir-se de tudo que possa forjar-se para que, mesmo que desacredite o país, consiga mudar o ministério. Todos sabem que, nestes últimos tempos, a infâmia e a corrupção das oposições, niveladas aliás pelo cinismo e pela inépcia dos governos, mais de uma vez rebaixaram perante a Europa o crédito e o nome da Nação, como meio de fazer cair as administrações que combatiam.
Tudo isto lançou no espírito público uma grande desconfiança sobre o que os órgãos desses mesquinhos e desprezíveis partidos afirmam, quando combatem. Tudo isto também nos colocou na obrigação, a nós que representamos uma ideia, e não uma vaidade, de estudar conscienciosamente os factos antes de os apresentarmos.

No dia seguinte àquele em que o marechal Saldanha tomava o poder das mãos trémulas e medrosas do duque de Loulé e d’el-rei, dizia-se geralmente na cidade de Lisboa o seguinte: 
  • que o marechal trabalhava de combinação com Prim, com Olozaga e com o governo francês;
  • que o marechal devia fazer abdicar o rei Luiz I em seu filho Carlos;
  • que Prim deveria tornar impossível a eleição dos pretendentes conhecidos ao trono de Espanha, e propor em seguida o príncipe real português. Daqui duas coroas sobre a mesma cabeça, e, na menoridade, duas regências, Saldanha e Prim.

Os jornais fiéis ao governo que caíra, os que se não puderam vender ao novo poder, toda a oposição enfim, apressou-se, aliás com bem pouca habilidade, a fazer destes boatos armas de arremeço contra o novo governo. A redacção deste jornal estudou os boatos, procurou-lhes a origem, viu como a lógica da política espanhola e francesa os justificava, viu-os confirmados por factos posteriores; e, só quando lhes conheceu a realidade, é que entendeu dever declarar ao país que tramam contra a sua independência. Não o concluiu o marechal como fora combinado, ou por falta de audácia, ou por falta de inteligência; aqui divergem as explicações. Virá próxima porém a conclusão, porque nem a França nem a Espanha têm a inépcia e a irresolução do herói da Asseiceira (é evidentemente um lapso, Saldanha não é o vencedor de Asseiceira, mas de Almoster).

Declarando que são de toda a importância as fontes onde bebemos a certeza do plano ibérico, não podemos, é claro, mencioná-las. Todavia ao mais boçal político será evidente a realidade desse plano, se raciocinar um pouco sobre as condições e as necessidades dos países que têm interesses ligados à questão espanhola. Verá mais que a esses interesses, altos e consideráveis, se prendem agora os interesses e as ambições de alguns homens, interesses mais pequenos, mas não menos decisivos.
Precisa a França evitar dois vizinhos: a República e os Orleans. A primeira podia para lá lançar raízes; os segundos podiam robustecer as pretensões do conde de Paris com as tradições populares e constitucionais da sua família, no momento em que a França pretende tornar-se em monarquia constitucional. Claramente a política da França consiste em auxiliar em Espanha a elevação ao poder de um rei que não possa ter a menor influência além dos Perineus (232)».
De “A República”, 1870, nº 6

In J. Oliveira Martins, Páginas Desconhecidas, O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870 e a Ditadura de Saldanha, Seara Nova 1948, Lisboa.

Continua
Cortesia de Seara Nova/JDACT