Cortesia de avezdopeão
Com a devida vénia ao ISCSP
Revolta estudantil de 1962
«Em 6 de Abril de 1962 começa uma greve estudantil em Lisboa. Os incidentes desenrolam-se ao longo de todo o ano, insurgindo-se contra o ministro da educação Lopes de Almeida. Logo em 9 de Março realiza-se em Coimbra o I Encontro Nacional de Estudantes, apesar de proibido, criando-se o Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses. O Dia do Estudante, marcado para 24 de Março, é proibido no dia 21 pelo ministro da educação. O processo estende-se a Coimbra. Com efeito, face à proibição as Academias de Lisboa e de Coimbra decretam luto académico. As autoridades, tentando a conciliação, autorizam que o dia do estudante se comemore nos dias 7 e 8 de Abril, mas no dia 5 surge nova proibição da comemoração, levando à demissão do próprio reitor da Universidade de Lisboa, Marcello Caetano. Era o mais importante movimento de subversão estudantil depois das greves de 1927 e de 1930. Seguem-se incidentes no 1º de Maio e greves no Ribatejo e no Alentejo. Em 10 e 11 de Maio a polícia assalta a sede da Associação Académica de Coimbra, seguindo-se novo luto académico, decretando-se a greve aos exames. Por seu lado, em Lisboa, estudantes, acompanhados por alguns professores, decidem ocupar as instalações da cantina universitária, com nova intervenção policial. Há uma concentração insurreccional no Instituto Superior Técnico em 25 de Novembro, contra do decreto nº 44 632 de 15 de Outubro que condiciona a eleição das associações de estudantes. Entre os líderes da revolta, destaca-se o estudante de direito, Jorge Sampaio, futuro presidente da República, bem como Medeiros Ferreira, secretário-geral da Reunião Inter-Associações e Eurico Figueiredo, líder do Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses. 47 professores de Lisboa apoiam formalmente os estudantes em carta ao Presidente da República. Marcello Caetano, então reitor da Universidade de Lisboa, demite-se. Magalhães Godinho é então demitido de professor do ISCSPU pelo governo. Lopes de Almeida é substituído por Inocêncio Galvão Teles e Paulo Cunha sucede a Marcello Caetano. Os líderes estudantis de então decidem pela criação de um Movimento de Acção Revolucionária, onde dominam socialistas e católicos progressistas». In Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, ISCSP.
Cortesia de caminhosdamemoria
«Os “Caminhos” deram o devido destaque de lembrança, embora com a inevitabilidade da insuficiência face á riqueza política e histórica da importância crucial dessa ruptura na fábrica de elites da ditadura, à resposta da juventude estudantil à repressão ao Dia do Estudante de 1962, empurrando para a luta antifascista muitos dos destinados a serem quadros de garantia do regime e integrarem as suas elites (e só por isso e para isso acediam à Universidade).
Os depoimentos de José Augusto Rocha, Isabel do Carmo, Jorge Sampaio e Helena Cabeçadas, são indispensáveis e esclarecedoras visitas de memória a acontecimentos que marcaram o despertar político com vontade de combate para tantos que, depois, não interromperam as tarefas de enfrentar a ditadura até à sua queda, com disponibilidade política ainda suficientemente viçosa em 1974 para serem “quadros destacados” da revolução e da construção democrática, muitas vezes repartidos em diferentes e conflituantes trincheiras, de que uma parte sobreviva e restante ainda hoje é renitente a calçar as pantufas da pré-reforma na intervenção cívica. O que, só por si, é demonstração da profundidade do erro do salazarismo quando, em Março de 1962, respondeu com a pulsão da brutalidade cega e estúpida à tentativa de se comemorar o Dia do Estudante em 24 de Março de 1962. Se é verdade que, numa qualquer luta, a maioria dos sucessos se devem a erros crassos cometidos pelo adversário, então a luta antifascista depois de 1962, a revolução de Abril e a construção e sustentação da democracia portuguesa, “muito devem” a Salazar, à polícia de choque e à PIDE. Sem a repressão fascista de 1962 que desencadeou uma generalizada e típica indignação juvenil, generosa e radical, obviamente com as proporções possíveis na sociedade portuguesa da época, muitos dos jovens estudantes de então nem sequer se iriam politizar quanto mais enveredarem, como aconteceu a tantos, pela luta revolucionária e clandestina contra a ditadura. É verdade que alguns dos “estudantes em luta” em 1962 se acomodaram ao refluxo que se seguiu, normalmente com a ajuda das pressões das famílias, tratando dos seus cursos e carreiras mais que da militância cívica, embora irreversivelmente “perdidos ideologicamente para o regime” e “marcados para sempre” pela vivência do Dia do Estudante, enquanto outros seguiram os caminhos do exílio, mais ou menos comprometido politicamente com a aversão à ditadura. Mas muitos foram os “estudantes de 1962” que foram rechear a militância clandestina do PCP (então a única força organizada com capacidade de ancorar o desejo de muitos jovens em passarem a formas “superiores de acção” contra a ditadura), carecendo a nossa bibliografia histórica e política de análises aos efeitos quantitativos e qualitativos deste grande influxo estudantil nos quadros e militantes do PCP (o que mudou, e muito, a repartição das origens sociais dos militantes do PCP – “partido da classe operária” – e intelectualizando-o), além daqueles que, depois fardados e mandados para as guerras coloniais, corroeram a unidade ideológica nacionalista da “frente militar colonial” e contaminaram politicamente, com a demonstração do absurdo criminoso daquelas guerras, os oficiais profissionais (e sem se ter em conta esta contaminação, não é possível entender o MFA)». João Tunes, in Caminhos da Memória, Ainda sobre o Dia do Estudante de 1962.
Cortesia de caminhosdamemoria
Com a devida vénia a Caminhos da Memória e Entre as Brumas da Memória
Um texto de Helena Cabeçadas
«As greves e o movimento estudantil de 1962 despertaram-me para a política e para a luta anti-fascista. Nessa altura eu tinha 14 anos e estava no Liceu D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, mas a minha irmã mais velha já estava no 1º ano do Técnico e participava com entusiasmo no movimento estudantil de contestação ao regime. Eu e algumas das minhas amigas, da mesma idade, fugíamos do Liceu para ir assistir aos plenários, na Cidade Universitária. Não estávamos integradas no movimento associativo liceal e tínhamos imensa pena de não estar ainda na Universidade. Tentávamos disfarçar que vínhamos do Liceu, as batas enroladas dentro das pastas, com receio que os universitários nos mandassem embora. E ficávamos quase em êxtase a ouvir os dirigentes associativos de então, os seus discursos inflamados, tanto mais apreciados quanto mais radicais.
Foi, pois, com grande entusiasmo que, no ano lectivo seguinte (1962/63), já no Liceu Rainha D. Leonor, aderi à Comissão Pró-Associação dos Liceus. Vivia-se, nessa altura, uma certa euforia, apesar das expulsões decorrentes das greves estudantis de 62. Abriam-se brechas fundas no regime – com a guerra colonial nas suas diferentes frentes de luta, o movimento estudantil cada vez mais radicalizado, a grande jornada de luta que fora o 1º de Maio de 1962… tudo isto nos dava a esperança de um fim próximo da ditadura.
Pouco depois, com 15 anos, aderi ao Partido Comunista, a única força política antifascista organizada na altura. Tenho a noção, hoje, de que teria aderido a qualquer outro partido ou grupo organizado antifascista que me tivesse surgido, fosse socialista, comunista ou anarquista, tal era o meu desejo de me empenhar na luta pela liberdade e pela democracia. Claro que, para nós, adolescentes, era uma aventura excitante estar numa organização clandestina, ter um pseudónimo e actividades secretas tendo, ainda por cima, um objectivo último exaltante: a construção de uma sociedade mais justa, mais livre e mais fraterna. Sentíamo-nos heroínas de filme ou de romance (falo no feminino porque a minha experiência directa se passava, de facto, num universo adolescente feminino). O anticomunismo violento do regime salazarista ainda mais exacerbava a atracção que a actividade clandestina do PCP exercia sobre nós.
Claro que ler Marx era uma tarefa difícil e maçadora e Lenine ainda pior, mas também não nos eram exigidas tais leituras que, aliás, não estavam disponíveis porque eram proibidas. Recebíamos o jornal do partido, o “Avante” e tínhamos que o distribuir, às escondidas, nas caixas do correio ou em locais que não dessem muito nas vistas. Era uma tarefa divertida porque tinha os seus riscos, fazíamo-la aos pares e, quando surgia alguém nas escadas do prédio, fingíamos, para disfarçar, que estávamos a namorar». In Helena Cabeçadas, Liceus e Luta Política.
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Cortesia de Caminhos da Memória e Entre as Brumas da Memória
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