Cortesia de paineis
Painel da Relíquia
Parte 3
Qualquer solução da charada global
tem que passar por uma explicação convincente, não só dos objectos simbólicos
deste painel, mas também da forma como eles são directamente exibidos perante o
observador. Enquanto, por exemplo, o livro do painel do Infante, legível de
fora do políptico, é mostrado a uma das figuras presentes nesse painel, o livro
do judeu não tem leitores dentro da pintura e destina-se apenas a ser exibido
para fora dela.
Painel da Relíquia
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Outro tanto se pode dizer da
relíquia. O único alvo possível das atitudes das figuras vermelha e negra é o
próprio observador situado fora da pintura, e isso recorda-nos a figura
prostrada do painel dos Pescadores que reza igualmente para fora dela, e não na
direcção de algum hipotético objecto central de veneração nos painéis maiores.
Embora ao longo do políptico, diversas figuras olhem na nossa direcção, apenas
nestes dois painéis, “Relíquia e Pescadores”, parecem existir figuras “agindo” na nossa direcção, como que
solicitando a nossa atenção ou oferecendo algum tipo de recomendação exemplar.
No painel dos Pescadores, é a
própria atitude da figura prostrada que funciona desse modo; no caso da
relíquia e do livro hebraico são dois objectos que nos são apontados
directamente. E também a terceira figura do painel da Relíquia parece concebida
para transmitir alguma ideia exemplar. O seu aspecto humilde, associado à
circunstância de carregar um fardo – ainda que esse fardo seja algo estranho, parece
traduzir muito mais uma intenção moral que uma simples cena realista. Se a
caixa vazia se destinasse aos ossos de S. Vicente ou de algum dos seus émulos,
como se costuma pretender, como explicar o aspecto da figura que a transporta?
Ainda que o pintor tivesse a estranha ideia de incluir o distribuidor funerário,
o «caixão» está vazio, por que razão lhe emprestaria um aspecto tão lamentável,
sem nenhuma intenção moral subjacente?...
Três atitudes e objectos a
decifrar, portanto, no painel em que mais solicitações parecem ser dirigidas ao
observador.
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Se restassem algumas dúvidas sobre
a profusão das pistas semeadas ao longo dos seis painéis – encobertas por uma
constante impossibilidade de resolução, mas denunciadas por esse mesmo carácter
sistemático, as duas varas que a figura do pobre caminhante segura, no
prolongamento uma da outra e criando a ilusão de se tratar de uma única,
poderiam funcionar como uma indicação categórica da existência da charada.
Que pode querer o pintor
significar com duas varas que parecem uma, senão a própria mensagem: «O que
parece único é dual»? Adiante veremos como coexistem no políptico dois sentidos
inteligíveis, um literal e anterior à apreensão da charada, outro posterior à
sua resolução». In Painéis de São Vicente de Fora.
Cortesia de Painéis/JDACT