sexta-feira, 8 de junho de 2012

A nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada. Fernando Pessoa. «…este movimento poético dá-se coincidentemente com um período de pobre e deprimida vida social, de mesquinha política, de dificuldades e obstáculos de toda a espécie à mais quotidiana paz individual e social, e à mais rudimentar confiança ou segurança num, ou de um, futuro»


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«É sob Luís XIV que a vida literária é de mais valor, e o movimento reformista inglês (de 1770 a 1832), que envolve em si as causas da hegemonia inglesa moderna e inclui as guerras em que ela se fixou, coincide com o romantismo britânico.
Examinemos agora quais os característicos interiores destas correntes literárias. As correntes literárias do segundo período inglês e do terceiro francês, aqueles períodos em que essas nações nada criaram, nem para os outros nem para si, oferecem como mais importante facto espiritual “a desnacionalização da literatura”; visto que a literatura inglesa do século XVIII é vazada em moldes franceses e a literatura francesa de 1880 para cá é tudo menos francesa de espírito. Assim, para dar o único exemplo que o espaço pode admitir, o simbolismo, essencialmente confuso, lírico e religioso é absolutamente contrário ao espírito lúcido, retórico e céptico do povo francês. As correntes literárias do terceiro período inglês e primeiro francês, as dos períodos em que os países criaram a sua própria grandeza e hegemonia social, mas, de civilizacional, nada, mostram “um equilíbrio entre o espírito nacional e a influência estrangeira”: assim, a influência alemã é patente mas não dominante no romantismo inglês e a influência da antiguidade tão importante como a do espírito nacional na literatura dos séculos XVII e XVIII em França. Finalmente, nos períodos criadores, o primeiro inglês e segundo francês, temos na literatura “o espírito nacional patente e dominante”, absorvendo e absolutamente eliminando qualquer influência estrangeira que haja. Assim, nada mais francês do que Vítor Hugo com a sua retórica, a sua pseudo-profundeza, a sua lucidez epigramática, em pleno seio do lirismo, onde não está bem. E Spenser, Shakespeare e Milton, mas Spenser e ShakesPeare mais do que Milton, são ingleses, inconfundivelmente.

Ainda que rápida, já há nesta análise elementos para a apreciação ponderada da moderna poesia portuguesa. O primeiro facto que se nota é que a actual corrente literária portuguesa é “absolutamente nacional”, e não só nacional com a inevitabilidade bruta de um canto popular, mas nacional com “ideias” especiais, “sentimentos” especiais, “modos de expressão” especiais e distintos de um movimento literário completamente “português”; e, de resto, se fosse menos, não seria um “movimento literário”, mas uma espécie de traje psíquico nacional, relegável da categoria de movimento de arte para a, para este caso sociológico nula, de um mero “costume” característico.
O segundo facto a notar é que o movimento poético português contém individualidades de vincado valor: não são Miltons nem Shakespeares, mas são gente que se extrema, além de pelo “tom”, que é da corrente, pelo valor mesmo, dentre os contemporâneos europeus, com excepção de um ou dois italianos, e esses não integrados em movimento ou corrente alguma que, distintiva ou nacional, tenha sombra de direito a ser comparada com a hodierna corrente poética lusitana.
O terceiro e último facto que se impõe é que este movimento poético dá-se coincidentemente com um período de pobre e deprimida vida social, de mesquinha política, de dificuldades e obstáculos de toda a espécie à mais quotidiana paz individual e social, e à mais rudimentar confiança ou segurança num, ou de um, futuro». In Fernando Pessoa, A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada, Editorial Nova Ática, 2006, ISBN 972-617-193-8.

Cortesia de Editorial Nova Ática/JDACT