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«É sob Luís XIV que a vida literária é de mais valor, e o movimento
reformista inglês (de 1770 a 1832), que envolve em si as causas da hegemonia
inglesa moderna e inclui as guerras em que ela se fixou, coincide com o
romantismo britânico.
Examinemos agora quais os característicos interiores destas correntes
literárias. As correntes literárias do segundo período inglês e do terceiro francês,
aqueles períodos em que essas nações nada criaram, nem para os outros nem para
si, oferecem como mais importante facto espiritual “a desnacionalização da
literatura”; visto que a literatura inglesa do século XVIII é vazada em moldes franceses
e a literatura francesa de 1880 para cá é tudo menos francesa de espírito.
Assim, para dar o único exemplo que o espaço pode admitir, o simbolismo, essencialmente
confuso, lírico e religioso é absolutamente contrário ao espírito lúcido, retórico
e céptico do povo francês. As correntes literárias do terceiro período inglês e
primeiro francês, as dos períodos em que os países criaram a sua própria grandeza
e hegemonia social, mas, de civilizacional, nada, mostram “um equilíbrio entre
o espírito nacional e a influência estrangeira”: assim, a influência alemã é
patente mas não dominante no romantismo inglês e a influência da antiguidade
tão importante como a do espírito nacional na literatura dos séculos XVII e XVIII
em França. Finalmente, nos períodos criadores, o primeiro inglês e segundo
francês, temos na literatura “o espírito nacional patente e dominante”, absorvendo
e absolutamente eliminando qualquer influência estrangeira que haja. Assim, nada
mais francês do que Vítor Hugo com a sua retórica, a sua pseudo-profundeza, a
sua lucidez epigramática, em pleno seio do lirismo, onde não está bem. E
Spenser, Shakespeare e Milton, mas Spenser e ShakesPeare mais do que Milton,
são ingleses, inconfundivelmente.
Ainda que rápida, já há nesta análise elementos para a apreciação
ponderada da moderna poesia portuguesa. O primeiro facto que se nota é que a
actual corrente literária portuguesa é “absolutamente nacional”, e não só
nacional com a inevitabilidade bruta de um canto popular, mas nacional com “ideias”
especiais, “sentimentos” especiais, “modos de expressão” especiais e distintos
de um movimento literário completamente “português”; e, de resto, se fosse
menos, não seria um “movimento literário”, mas uma espécie de traje psíquico
nacional, relegável da categoria de movimento de arte para a, para este caso
sociológico nula, de um mero “costume” característico.
O segundo facto a notar é que o movimento poético português contém
individualidades de vincado valor: não são Miltons nem Shakespeares, mas são
gente que se extrema, além de pelo “tom”, que é da corrente, pelo valor mesmo,
dentre os contemporâneos europeus, com excepção de um ou dois italianos, e
esses não integrados em movimento ou corrente alguma que, distintiva ou
nacional, tenha sombra de direito a ser comparada com a hodierna corrente
poética lusitana.
O terceiro e último facto que se impõe é que este movimento poético
dá-se coincidentemente com um período de pobre e deprimida vida social, de
mesquinha política, de dificuldades e obstáculos de toda a espécie à mais
quotidiana paz individual e social, e à mais rudimentar confiança ou segurança
num, ou de um, futuro». In Fernando Pessoa, A Nova Poesia Portuguesa
Sociologicamente Considerada, Editorial Nova Ática, 2006, ISBN 972-617-193-8.
Cortesia de Editorial Nova Ática/JDACT