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sábado, 29 de setembro de 2018

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «Acresce a tudo isto o desempenho da administração da dupla governativa Filomeno Câmara / Morais Sarmento, respectivamente alto-comissário e inspector da Administração Pública naquela colónia»

jdact

Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) Preparada por Joaquim Nunes Mexia (grande latifundiário alentejano e ministro da Agricultura de I8/4 a 7/7/1929) e lançada pelo então ministro da tutela, Henrique Linhares Lima (8/7/29 – 21/1/30), tinha como principais objectivos apoiar a actividade da grande agricultura alentejana e promover o aumento da produção até, às necessidades da procura, por substituição de importações, dignificando a indústria agrícola como a mais nobre e a mais importante de todas as indústrias e como primeiro factor de prosperidade económica da Nação. O aumento da área de trigo cultivada, o desenvolvimento da indústria química, pela difusão dos adubos industriais, e, a reboque, o notável crescimento da produção, concluem o êxito (inicial) da campanha. Perto do final do ano, quando a Nação adquiriu já a plena consciência do seu estado e manifesta a vontade firme de seguir os caminhos do seu destino, Salazar, na ausência do Presidente do Ministério (em visita oficial a Espanha), consagra o princípio Nada contra a Nação, tudo pela Nação e, em nome da realidade nacional, apela ao desconhecimento das facções, dos partidos, dos grupos, quando os sectores oposicionistas da sociedade se limitam a contestar o fraco empenho demonstrado pela Ditadura nas comemorações do 5 de Outubro de 1910. Lopes Fonseca, mentor da manifestação dos municípios, tinha chegado à pasta da Justiça e dos Cultos por intermédio de Salazar e, tal como este, via em Ivens Ferraz o principal adversário na luta pelo poder no interior da Ditadura (a realização desta manifestação mereceu o comentário de Ivens Ferraz nas suas Memórias; durante a minha ausência passava-se em Portugal um incidente a que não posso deixar de me referir (...), porque, propositadamente, se procurou o afastamento do Chefe do Governo para tirar todos os efeitos políticos que daquele incidente poderiam resultar). Acusado de buscar uma aproximação aos partidos quando o momento exige um governo forte para que a Ditadura leve o barco a bom porto (designadamente, consolidar o equilíbrio do orçamento, realizar a reforma da moeda e completar a restauração financeira, lançar as bases decisivas da reconstrução económica da metrópole e das colónias (...) efectuar a reconstrução política e social do país, pelo regime municipal e corporativo (...) e pela preparação de condições que permitam e garantam a independência e harmonia dos poderes do Estado), Ivens Ferraz chega a apresentar a demissão. Mas será a polémica travada entre Salazar e Cunha Leal, o verdadeiro móbil da queda do seu ministério quando, a propósito das críticas tecidas por este à política financeira delineada para as colónias, o ministro das Finanças exige que o problema seja levado a Conselho de Ministros. Mais uma vez Carmona apoia-lo-á deixando cair o ministério de Ivens Ferraz.
Com o afastamento da presidência do Governo de Vicente Freitas, primeiro, e de Ivens Ferraz agora o republicanismo conservador perde o combate que a corrente salazarista vinha movendo no interior da Ditadura desde finais de 1928 e inaugura, com a constituição do Ministério presidido por Domingos Oliveira logo em 21 de Janeiro de 1930, uma ordem nova, quer do ponto de vista político-institucional quer do ponto de vista económico e social. Em conformidade com esta nova ordem, Salazar, interino das Colónias desde aquela data, demite Cunha Leal do cargo de governador do Banco de Angola e faz aprovar a sua estratégia nesta área de reforço do programa de obras públicas, apoio financeiro limitado, reforma do sistema bancário do império, e promulgação do Acto Colonial, a qual, pelo seu carácter nacionalista e civilizador, reduz o impacte das acusações de que Salazar não se importa com o Império.
Em Outubro de 1929, o crash da bolsa de Nova Iorque potenciara o aprofundamento da crise económica que se vinha avolumando desde o imediato pós-guerra na generalidade dos países do mundo. Em Portugal, embora refreados por factores de ordem estrutural e conjuntural, os seus efeitos vão fazer-se sentir com particular acuidade entre os sectores exportadores metropolitanos e coloniais. Na verdade, a quebra brutal das cotações mundiais dos principais produtos coloniais é a responsável pela redução das fontes de receitas dos circuitos de exportação e comercialização e, no Imperio (sobretudo em Angola), pela crescente tensão que a dependência da economia angolana relativamente à metropolitana cria nos sectores mais visados pela Grande Depressão, visivelmente afectados pela quase paralisação das transferências financeiras. Acresce a tudo isto o desempenho da administração da dupla governativa Filomeno Câmara / Morais Sarmento, respectivamente alto-comissário e inspector da Administração Pública naquela colónia: administrativa e financeiramente atrabiliária e descontrolada responde, em grande medida, pelos acontecimentos revoltosos que de 20 de Março a l0 de Abril se sucedem em Angola, cujo comando recai no Chefe do Estado Maior das Forças Armadas da colónia, coronel Genipro Cunha Eça Almeida. O tenente Morais Sarmento é morto no primeiro dia, Filomeno Câmara é exonerado em 10 de Abril quando, na metrópole, o governo de Domingos Oliveira, na pessoa do ministro interino das Colónias, Oliveira Salazar, (...) é obrigado a ceder às pressões da colónia (...)» In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «A Ditadura era, pois, o garante da ordem e do equilíbrio. Reposta a disciplina nas ruas, acautelado o equilíbrio orçamental e desarticulada a oposição republicana democrática»

jdact

Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) No campo oposicionista, porém, a dinâmica conspirativa mantém-se. Depois de solucionadas as divergências entre os comités militares e os linguistas e exilados no exterior acerca dos caminhos a seguir para derrubar a Ditadura, a revolução sai à rua no dia 20 de Julho por iniciativa do Batalhão de Caçadores 7, com o objectivo de pôr fim à degradante situação financeira e às soluções austeras preconizadas por Salazar e capitalizar, a seu favor, a agitação vivida nos três centros universitários do país e a situação de numerosos militares e civis. Paralelamente, o recente fiasco do pedido de empréstimo à SDN, o apoio inequívoco da Igreja, da Inglaterra e da Espanha à manutenção da Ditadura, a eleição de Carmona e a afinação dos métodos repressivos e policiais terão levado muitos a optar pela revolução. Uma revolução que, contudo, sai vencida à partida: ensaiada desde Maio, o processo de preparação que a antecedeu é desarticulado em inícios de Junho quando os seus principais organizadores (comandante Jaime Morais e capitães Chaves e César Almeida) são presos. Com ramificações a nível nacional, dura 12 horas na capital, salda-se em numerosos danos materiais e na prisão e deportação (Angola e Timor) de centenas de militares e civis (a grande componente do movimento) e potencia apoios à situação por constituir mais um forte impedimento à recuperação económica e financeira. Salazar, esse, continua a sua ditadura financeira e, em Setembro, reduz as despesas nos Ministérios da Guerra, do Comércio e das Comunicações e da Instrução Pública.
A Ditadura era, pois, o garante da ordem e do equilíbrio. Reposta a disciplina nas ruas, acautelado o equilíbrio orçamental e desarticulada a oposição republicana democrática, Salazar introduz um factor de confiança para os agentes económicos numa economia em que as políticas orçamentais (tendem) a dar prevalência à estabilidade sobre o crescimento económico e em que os saldos orçamentais passam a ser positivos a partir de 1928 - 1929: logo no início do ano, procede à liquidação de importantes prestações da dívida de guerra e da dívida flutuante, conquistando o reconhecimento internacional; reforma a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Portugal, lançando o crédito público às actividades económicas; anuncia medidas de reactivação das obras públicas (expansão da rede ferroviária e telefónica, aproveitamento hidroeléctrico dos rios Douro e Zêzere, programa de obras de hidráulica agrícola, infra-estruturas portuárias e viárias, etc.); em Junho faz aprovar o Orçamento para 1929 - 1930 com um saldo positivo de 8500 contos e anuncia ao país a extinção da dívida flutuante externa quedando-se saldadas as contas com o estrangeiro. Paralelamente, instaura a reforma tributária e desenvolve um rigoroso saneamento nas administrações coloniais, sobretudo em Angola. A Ditadura possui finalmente um projecto uno e coerente, com prioridades definidas e rumos certos, cujo conteúdo político se traduz na concertação de uma plataforma económico-social e política comum (síntese histórica das direitas portuguesas numa única direita) viabilizadora da crescente hegemonização da Ditadura Militar pela corrente salazarista.
Mas, na sequência da portaria de Junho de Mário Figueiredo, amigo de Salazar em Viseu e Coimbra e então tutelar da pasta da Justiça e dos Cultos (10/11/28 – 8/7/29), a questão religiosa precipita a demissão de ambos os católicos em sinal de protesto contra a revogação da portaria dos sinos pelo Conselho de Ministros do Governo de Vicente Freitas. Depois de reunir com Salazar, Carmona aceita o seu pedido de demissão formalizado em nome de todo o gabinete, e chama Ivens Ferraz para formar novo governo (8/7/1929 - 21/1/1930).
O êxito da prática financeira reconfirma Salazar na pasta das Finanças que prossegue, agora, uma estratégia de redução da oposição entre os sectores mais visados pelas dificuldades do momento. Por um lado, autoriza medidas de protecção à agricultura, sobretudo no Centro e Sul do país, e, em finais de Agosto, faz aprovar as bases para a organização da Campanha do Trigo». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «Quando, entre Abril e Maio de 1931, se agitam bandeiras vermelhas nas faculdades, sobretudo a partir de 1929, começa a fazer-se notar no meio universitário a influência da Juventude Comunista…»

Cortesia de wikipedia

«(…) Uma das facetas mais significativas dos primeiros anos post-28 de Maio reside não só no relevo de novo concedido, pela oposição republicana, ao papel que a propaganda politica e ideológica deve desempenhar no seu combate pelo derrube da Ditadura e dos grupos sociais que sustentam, mas, e sobretudo, no conteúdo da mensagem veiculada por essa propaganda. Digamos que, genericamente, a estratégia dos diversos sectores oposicionistas exige a movimentação de três importantes peças: a manobra politica tendente a desagregar a mal cimentada facção da classe dominante que se encontra instalada no poder; a revolta armada, englobando militares democráticos e civis; e o apostolado, através da imprensa e dos centros e ligas republicanos, dos princípios do liberalismo e da democracia representativa, herdados das gerações mais progressivas do século anterior. Apostolado que é, essencialmente, antimonárquico e anticlerical.
O jornal Liberdade (publica-se pela primeira vez em 27 de Maio de 1928, tendo como director e editor Virgílio Marinha Campos e como redactor João Carlos Nordeste. António José Almeida foi convidado para redigir o primeiro editorial, no qual diz, a dada altura: encontramo-nos envolvidos num lance calamitoso, e que o é sobretudo pela confusão das ideias e pela conturbação dos sentimentos. [...] Como sair dele? Só há um processo: disciplinar o pensamento político português), entre outras virtudes, tem a de ser um paradigma. Por sintetizar, de 1928 a 1932 (o Liberdade reflecte uma interessante evolução ideológica dos seus colaboradores. Numa fase inicial, de 1928 a 1930, a tónica é colocada na apologia da obra realizada pela República, contrapondo a esta obra benéfica a acção perniciosa dos monárquicos e dos jesuítas; numa segunda fase, de 1930 até finais de 1932, começa a ser dada uma particular atenção às relações entre o operariado e a República. Por fim, de 1933 a 1935, o Liberdade adquire uma feição progressivamente marxista, predominando a aspiração de levar a toda a parte onde se sofre, onde se vive inconscientemente, a nossa palavra entusiasta, propagandeando o credo nobilíssimo da emancipação humana, como declara Virgílio Marinha Campos no n.° 189, de 12 de Janeiro de 1933, o primeiro que ostenta a designação de Semanário Republicano de Esquerda), uma maneira de ser e de se conceber (quando a Liberdade apareceu, foi acusada de avançada e de revolucionária. [...] Pois agora há quem a acuse de conservadora e reacionária; é certo que ainda não defendeu a supressão do capital, nem a divisão das terras pelos seus leitores; mas, enfim, tem defendido a República, a Liberdade, a Democracia, o Livre-Pensamento, o Estado laico, o aproveitamento obrigatório da propriedade rústica ou a sua alienação, uma mais equitativa remuneração do trabalho e os seguros sociais e tem combatido a reacção política, o clericalismo, a superstição, a guerra, a iniquidade de certas desigualdades económicas, o retrocesso no pensamento ou na acção; chamem-lhe nomes, a Liberdade prosseguirá).
Por congregar, lado a lado e em ideal camaradagem, velhos e novos republicanos, irmanados na convicção de que, enquanto a academia e a República se derem as mãos, a Pátria não morrerá. Por, finalmente, assumindo-se embora como jornal académico republicano, ter privilegiado a luta pela República, secundarizando a existência da academia, excepto quando esta se torna elemento indispensável do jogo político. Quando, no início do ano lectivo de 1930-31, as eleições nas três associações académicas do País são ganhas por estudantes republicanos, pensa-se que uma irresistível onda de espírito democrático está em formação nas profundezas do descontentamento popular. Quando, entre Abril e Maio de 1931, se agitam bandeiras vermelhas nas faculdades (sobretudo a partir de 1929, começa a fazer-se notar no meio universitário a influência da Juventude Comunista; sobre este fenómeno, J. Arsénio Nunes, sobre alguns aspectos da evolução do Partido Comunista Português após a reorganização de 1929 (1931-33), in Análise Social), olhos postos no exemplo oriundo da Madeira (a propósito dos acontecimentos de 1931 escutemos o testemunho de um protagonista, Vasco Gama Fernandes, então estudante da Faculdade de Direito de Lisboa: Era aliciante e em cheio a minha actividade: estudava como podia, tomava parte em reuniões públicas, uma delas no Centro Republicano António José Almeida, sob a presidência de Norton Matos [...] conspirava com estranhos e com companheiros da Faculdade [...] empenhados na organização dum Batalhão Académico [...] foi precisamente nessa ocasião que se deu a revolta da Madeira e nos Açores, com implicações frustes em Angola e na Guiné; oficiais republicanos, deportados nas ilhas, sob o comando do impoluto general Sousa Dias, ocuparam as posições estratégicas e aliciaram o entusiasmo das populações. Dado que a revolução não era secundada, como era de esperar, na metrópole, os rapazes do batalhão e outros poucos romperam no assalto à Faculdade de Direito, invadiram as suas salas, despejaram as carteiras pela janela, fizeram frente a dois ou três reaccionários mais decididos e, perseguidos pela polícia, entrincheiraram-se na Faculdade de Medicina [...], in Gama Fernandes, Depoimento Inacabado, Lisboa), corações alvoraçados pelas notícias trazidas de Espanha (sobre o papel desempenhado pelos estudantes no processo que conduziu à implantação da República em Espanha, em 1931), acredita-se que um retorno rápido à República liberal e parlamentar pertence ao universo dos possíveis. Quando, por fim, a derrota das ilusões se abate sobre a academia, é um pouco como se um tempo que teimava em não passar acabasse por morrer. Quanto ao futuro..., ele irá estar nas mãos de outras vanguardas, portadoras de outras concepções do mundo, de outras formas de actuar, quer na academia, quer na sociedade». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «… um futuro social que nos honre e do qual sejamos dignos, como declara Emídio Guerreiro, em nome do Centro Académico Republicano do Porto, a Vitorino Nemésio…»

Cortesia de wikipedia

«(…) Os tempos, contudo, não corriam de feição para pretensos apoliticismos. Agudiza-se o combate ideológico entre os jovens integralistas de Coimbra, que se expressam através do periódico A Ideia Nova, e os jovens republicanos do Centro Académico, que não se abstêm de lançar contra os seus colegas monárquicos graves acusações de vandalismo. Nos primórdios de 1928 (o ano de 1928 foi assinalado por um conjunto de medidas governamentais extremamente impopulares junto da camada estudantil, facto que, por si só, terá contribuído para uma maior consciencialização do carácter prepotente da Ditadura Militar; a intenção, consagrada em decreto datado de 12 de Abril de 1928, de extinguir as Faculdades de Direito de Lisboa, de Letras do Porto e de Farmácia de Coimbra, bem como a Escola Normal Superior da Universidade de Coimbra e as Escolas Normais Primárias de Coimbra, Braga e Ponta Delgada e ainda o liceu da Horta, provocou um surto grevista nas três academias.), e enquanto uma assembleia geral reunida em 22 de Janeiro aprova o novo Estatuto Político do Centro Republicano Académico de Coimbra, reactiva-se o Centro Académico Republicano do Porto, que publica o primeiro número do seu jornal, O Democracia, no dia do aniversário do 31 de Janeiro de 1891, data que os republicanos passam a comemorar com redobrada emoção. Subtis diferenças de pressupostos teóricos e de objectivos políticos podem ser detectados nesta fase da vida dos dois Centros.
Enquanto o Centro Republicano Académico de Coimbra se define, prioritariamente, como um grémio de acção e cultura política, orientado para a defesa dos princípios da República democrática, e preconiza o mais rasgado espírito de reforma no regime da propriedade e do trabalho, no sentido de tornar aquela acessível ao maior número e este produtivo e liberto da tendência da mão-de-obra para o menor esforço, elementos do Centro Académico Republicano do Porto organizam o Comité Académico Operário do Porto, cujo escopo consiste em desenvolver uma forte propaganda contra o analfabetismo, alcoolismo, integralismo, fascismo, clericalismo, e em defesa da organização operária (na primeira reunião deste Comité foram nomeados os seus corpos gerentes, compostos por três estudantes e três operários; Horácio Cunha, chefe de redacção do Democracia, foi eleito presidente; Alexandre Pinto, secretário do mesmo jornal, foi escolhido para secretário administrativo do Comité Académico Operário do Porto).
Entretanto, e a fim de tornar mais eficiente e proveitosa a acção dos centros académicos, trabalha-se no sentido de conjugar esforços, coordenando iniciativas que contribuam para viabilizar um futuro social que nos honre e do qual sejamos dignos, como declara Emídio Guerreiro, em nome do Centro Académico Republicano do Porto, a Vitorino Nemésio, presidente do Centro Republicano Académico de Coimbra; futuro que, reconhece-se, passa pela preparação de uma verdadeira revolução. Os estudantes republicanos da academia de Lisboa não podiam, obviamente, marginalizar-se deste renascimento de velhas práticas e estratégias. Em Dezembro de 1927, e com grande regozijo da imprensa afecta ao Partido Democrático, à Esquerda Democrática e ao Partido Socialista, a Liga dos Estudantes Republicanos de Lisboa participa nas manifestações do dia da Restauração, que se pretendem grandiosas e politicamente significativas. O relativo insucesso que rodeia este acontecimento não faz desmobilizar a jovem vanguarda da oposição republicana à Ditadura Militar. Assim, em Maio de 1928 é posto à venda aquele que virá a ser o mais importante e expressivo jornal da academia republicana, o Liberdade». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT

domingo, 26 de abril de 2015

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «… um grupo de rapazes republicanos de Coimbra, mais ou menos dispersos e confundidos no seio dum grémio de estudantes de fama reaccionária, resolveram desfazer esse equívoco e definir, que coisa é o seu republicanismo»

Cortesia de wikipedia

«(…) Quanto às condicionantes e limites do movimento estudantil, julgamos não errar ao considerar que eles estão intimamente ligados à ambiência política envolvente do meio académico. Mas não só. Factores de índole específica são poderosos agentes no processo evolutivo de uma dada estrutura (dois exemplos: a luta levada a efeito, em 1919, pela Federação Académica de Lisboa contra o propósito de o Governo e o Parlamento intervirem na vida e na orgânica universitária, através da fiscalização da execução das suas leis e da escolha e nomeação do professorado e reitores; em 1926, e durante largos meses, as três academias estão em greve, entre outros motivos, por discordarem de um decreto que torna a contratação de professores dependente de factores de ordem política). O desenvolvimento do associativismo, sobretudo do associativismo federativo, depende de circunstâncias várias, que vão desde o distanciamento espacial entre as diversas escolas, institutos e faculdades, passando pelo desnivelamento social, que conduziu, não raras vezes, a uma hostilidade latente entre, por exemplo, alunos do Instituto Superior Técnico e alunos dos Institutos Industriais (outra das causas da greve de 1926 residiu na contestação movida pelos estudantes do Instituto Superior Técnico de Lisboa e da Faculdade Técnica do Porto contra a atribuição do título de engenheiro-auxiliar aos formados pelos institutos industrias, alegando que estes se pretendiam confundir com os licenciados pelos institutos superiores...), até à inexistência de uma mentalidade propiciadora dos gestos colectivos.
O impulso que, em 1913, produziu a Federação Académica de Lisboa foi esmorecendo lentamente, apesar dos periódicos sobressaltos suscitados por alegadas violações dos direitos estudantis. Os dois números da Revista da Federação Académica de Lisboa atestam bem a pouca consistência da estrutura federativa, sobrevivendo à custa do entusiasmo de meia dúzia de boas vontades. Como todas as regras têm as suas excepções, a Associação Académica do Porto oferece, talvez por razões de ordem sociológica, um panorama relativamente menos sombrio, em especial durante a década de 20, tendo conseguido manter de 1922 a 1929 a publicação regular do jornal Porto Académico. Jornal que, no entanto, não deixa de nos transmitir, em Janeiro de 1929, uma toada de profundo desencanto: a falta de pensamento e de acção, já não digo da academia do Porto, mas da actual geração académica portuguesa, tem sido um facto tão real, tão patente, que se impõe, com força de evidência, à nossa sensibilidade. [...] A quase totalidade da massa académica encontra-se ainda hoje dominada por um preconceito deplorável. Entende ela que a vida de estudante, para além do tempo ordinário que o seu curso lhe exige, deve ser completamente esgotada pela blague, pela facécia, alheada por completo dos problemas graves que afectam a Nacionalidade. Escassos meses após terem sido escritas estas palavras, a força de novos acontecimentos provocará o agitar das vontades adormecidas.
Uma das primeiras manifestações de inconformidade oriunda da juventude republicana, perante o evoluir do processo político desencadeado na Primavera de 1926, surgiu paradoxalmente adentro do tradicional bastião do conservantismo nacional. Pouco mais de um mês volvido sobre a fracassada tentativa de restituir ao País a legalidade institucional, precisamente em 9 de Abril de 1927, um grupo de rapazes republicanos de Coimbra, mais ou menos dispersos e confundidos no seio dum grémio de estudantes de fama reaccionária, resolveram desfazer esse equívoco e definir, num momento notoriamente difícil da vida nacional, que coisa é o seu republicanismo e em que princípios basilares se sustenta uma consciência cívica de que se ufanam. Liderando a iniciativa, quatro nomes sonantes do Centro Republicano Académico de Coimbra: Carlos Cal Brandão, Paulo Quintela, Sílvio Lima e um jovem a quem muitos auguram uma brilhante carreira literária, Vitorino Nemésio. Entre a lista de eventuais colaboradores destacam-se Rodrigues Miguéis e António Sérgio, este último já exilado em Paris, de onde envia alguns artigos para o jornal Gente Nova. Paralelamente ao relançamento das actividades do Centro Republicano Académico de Coimbra, procura-se dinamizar a Associação Académica, partindo esta diligência de um grupo de estudantes que se pretende acima de querelas partidárias ou religiosas. Desde modo, o jornal Mocidade, editado pela Associação Académica, apresenta-se aos seus potenciais leitores como um exemplo de imparcialidade, isenção de paixões, ideias claras e desempoeiradas, crítica acerada dos que com culpa prevaricam, perdão pleno para os pobres de espirito, vigor no ataque e lealdade na defesa». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT

terça-feira, 15 de julho de 2014

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «… a coisa não está para brincadeiras... E os rapazes sentem que, se não defenderem com cuidado a lancha, arriscam-se a ter de nadar. Uma agonia de classe que ingenuamente se amarra a princípios de reacção»

Cortesia de wikipedia

«(…) É tempo, talvez, de nos questionarmos sobre a real dimensão e projecção de todos estes grupos saídos dessa vaga e abstracta mocidade das escolas para quem um dia Guerra Junqueiro apelou. É tempo de tentarmos averiguar até que ponto o movimento estudantil, durante o tempo que medeia entre o apogeu e a queda de uma certa ideia de realizar a República, não sofreu as consequências do forte partidarismo da juventude radicalizada em integralismos mais ou menos ortodoxos, em conservadorismos neo-sidonistas ou cruzadistas, em republicanismos de feição jacobina ou socializante e, na transição da década de 20 para a década de 30, no marxismo-leninismo do reorganizado Partido Comunista Português. A resposta à nossa primeira interrogação não é fácil, se nos quisermos estribar em dados estatísticos, dada a escassez de elementos desta natureza de que dispomos. Desconhecemos as listas de adesões e só muito esporadicamente as detectamos com um ou outro número veiculado pela imprensa afecta às organizações. Um dos principais objectivos, desde sempre, dos centros e ligas académicos consistiu na promoção de conferências, por vezes na realização de comícios; também aqui nos surgem hesitações, quando procuramos medir o alcance da palavra dos oradores através duma impossível contabilização dos participantes. E já nem sequer falamos da ignorância que temos da tiragem dos poucos jornais republicanos académicos que conseguem sobreviver ao heroísmo do primeiro exemplar...
Certo é que a capacidade de expansão de uma ideia se não pode aquilatar unicamente pelo número inicial dos seus apóstolos e seguidores, mas antes pela sua maior ou menor adequação às necessidades dos grupos sociais a quem se dirige e ainda quando demonstra saber enfrentar os grandes campeões das tendências opostas, quando resolve com os próprios meios as questões vitais que eles puseram, ou demonstra peremptoriamente que tais questões são falsos problemas. Parece-nos que de 1880-90 até 1910, com todos os fluxos e refluxos inerentes a qualquer processo histórico, a difusão do corpo doutrinário e ideológico republicano contou com a participação de um substancial contingente de jovens estudantes, sobretudo dos cursos superiores. A sua inclusão na estratégia dos dirigentes do Partido Republicano Português decorre não só de uma mítica e mística imagem da mocidade das escolas, mas talvez essencialmente da verificação da existência de uma dinâmica sui generis no meio académico, consequência, em parte, dos condicionalismos específicos a esse meio. Após 1910, a correlação de forças no meio académico sofre uma considerável alteração. Os testemunhos que nos chegaram dão conta de um inquietante acréscimo de desinteresse e apatia pela res publica; se esses testemunhos provêm do sector republicano, predomina o espanto ocasionado pela eficácia revelada pelos monárquicos integralistas em captar para a sua mundividência grande parte da juventude. Quando, em 1918 e nos primeiros meses de 1919, quando até em 1926 e, com particular incidência, nos anos imediatamente posteriores a esta data, se glorifica de novo o espírito generoso e idealista da mocidade das escolas republicana, julgamos assistir a um acto de exorcismo, que só provisória e superficialmente actua sobre as sombras que se pretende esconjurar. No entreacto tentam-se explicações, apontam-se soluções. De um modo geral, existe a convicção de que a principal causa do desinteresse da juventude pelos princípios democráticos advém do carácter conservador ou mesmo reaccionário do corpo docente das várias escolas secundárias e superiores do País. No sentido de eliminar o efeito, tomam-se medidas contra a suposta causa, decretando-se a fiscalização do grau de republicanismo dos professores contratados pelo Estado, facto que sempre suscitou o desagrado da instituição universitária, ciosa das suas prerrogativas autonómicas, concedidas precisamente pela República.
Há quem, no entanto, não concorde com a pertinência dos argumentos que atribuem à educação a fonte do insucesso republicano, recordando que nos tempos da Monarquia se formou uma juventude revolucionária dentro dum sistema caduco de ensino. Há mesmo quem considere que a dilucidação do problema passa pelo uso de outros pressupostos teóricos:
  • [...] a geração que anda agora nas escolas não representa o Povo português. Com poucas excepções, apenas confirmantes da regra, os rapazes da academia pertencem às classes dominadoras da sociedade portuguesa. Os pobres, os filhos do Povo, não passam da instrução primária, bloqueados pelo preço das propinas e dos livros. Já era assim no meu tempo. Mas, no meu tempo, a classe a que eu e os meus condiscípulos pertencíamos estava solidamente instalada no Poder. Podíamos nós, os moços, permitir-nos idealismos avançados, que a vida e o interesse pessoal mais tarde quase sempre esbatiam, sem que mal de maior viesse ao mundo. [...] Mas agora... Agora que a tormenta anda no céu, o plácido lago antigo tem onda, cria torvelinhos e sacode por si próprio o batel dos nossos privilégios. Como ao outro que diz: a coisa não está para brincadeiras... E os rapazes sentem que, se não defenderem com cuidado a lancha, arriscam-se a ter de nadar. [...] É este o aspecto espiritual da nossa mocidade. Uma agonia de classe que ingenuamente se amarra a princípios de reacção. In Amâncio de Alpoim.
In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «É perante este problema fundamental, criação das ‘élites’ políticas e pensantes, que a mocidade portuguesa tem de agir e reagir»

Cortesia de wikipedia

«(…) Em Abril de 1918, uma comissão de alunos da Universidade de Lisboa convida a mocidade republicana das escolas e toda a mocidade republicana, seja qual for o ramo de actividade a que se dedique, a comparecer numa reunião que terá por finalidade a fundação de uma Liga Republicana onde se possam congraçar todos os republicanos da nova geração, com ou sem filiação partidária. A propósito da reorganização dos jovens republicanos, podemos ler no jornal O Mundo de 29 de Abril de 1918, na sua primeira página, as seguintes informações: há muito que a ideia generosa e alta do centro republicano académico, onde, sem distinção de partidos, se juntassem todos os republicanos das escolas, andava na alma da academia. Já depois da implantação da República têm sido fundados, com um maior ou menor êxito, na Universidade de Coimbra centros republicanos académicos, alguns de natureza partidária, outros simplesmente republicanos. Em Lisboa, depois da revolução de 14 de Maio, tentou-se na academia a fundação dum centro republicano. A intenção de ilibar esta iniciativa de possíveis acusações de sectarismo partidário transparece no cuidado com que se estabelecem os contactos. Grupos de estudantes dialogam com Brito Camacho, com um elemento do Directório do Partido Democrático e com um membro da Junta Central do Partido Evolucionista.
Enquanto na capital se procede às operações de lançamento da Liga Nacional da Mocidade Republicana, em Coimbra, os jovens republicanos agitam-se em torno da construção do seu Bloco Académico Republicano; por seu turno, no Porto avança-se com a organização do respectivo Grémio Académico Republicano. Mais uma vez a República se socorre do aval da juventude para demonstrar aos incrédulos a justeza das suas razões. A conjuntura politica de 1918 não é, contudo, propicia a uma reedição das jornadas gloriosas de 1890. Não é só contra a policia de Sidónio Pais e a crescente arrogância dos monárquicos de todos os matizes que se tem de lutar. Divergências profundas, e de longa data, fraccionam a família republicana, provocando inevitáveis divórcios. Um escasso mês após a primeira convocatória para os trabalhos preparatórios da organização da Liga já Nóbrega Quintal, chefe de gabinete de António José de Almeida e um dos principais impulsionadores deste projecto, declarava:
  • A princípio pretendeu-se-lhe dar um carácter abstractamente republicano, isto é, onde se olhasse ao facto de o ser, e não à maneira de o ser. Assim entrariam nela estudantes afectos à actual situação. Desde a primeira hora que me opus a tal programa. Uma Liga da Mocidade Republicana não poderia, já não digo pactuar, mas transigir sequer com a República que para ai está, uma República vazia de sentido republicano.
De depuração em depuração, o processo construtivo da Liga caracteriza-se por uma acentuada morosidade; entretanto, as camadas intransigentemente conservadoras e nacionalistas do republicanismo agitam o pendão de Nuno Álvares Pereira, aliciando grande parte dos estudantes afectos à actual situação», de que falava Nóbrega Quintal. Superado o interlúdio sidonista, a actividade das ligas, blocos e grémios académicos republicanos logo se esbate num remoer narcisista da mais recente proeza das suas hostes, o combate do Batalhão Académico nas faldas de Monsanto. Mas o evoluir dos acontecimentos históricos não se compadece com as pequenas distracções humanas. Cônscios desta verdade estão os jovens que, no dealbar de 1924, se propõem ressuscitar, em novos moldes, a União da Mocidade Republicana. Rodrigues Miguéis, presidente do movimento, lança um alerta, traça um programa, aponta uma outra rota:
  • Responsabilidades bem graves, bem duras, pesam sobre os novos de hoje. As gerações passadas agitaram à luz do ideal ardente a bandeira vermelha da revolta; abriram para os ventos desordenados que então sopravam sobre as fórmulas políticas em decadência e ruína as suas palavras como fogo e lava. Mas passadas as horas da luta, horas de perigo incerto, horas de febre, eles, que não haviam cultivado mais do que o sentimento republicano, sem cuidarem talvez, que acima desse é mister que vibre a inteligência construtora das democracias, viram-se a braços com as maiores dificuldades e não puderam, ainda que o desejassem, conjurar os perigos e destruir os erros. [...] Lançadas, em Portugal, as bases do regime republicano [...] falta-nos, como escreve um grande espírito da nossa terra, criar uma élite política e científica com força bastante para enquadrar a massa e torná-la digna, finalmente, da gloriosa história dos seus avós. Eis, nessas palavras, realmente desenhada a face política da questão portuguesa. É perante este problema fundamental, criação das élites políticas e pensantes, que a mocidade portuguesa tem de agir e reagir».
In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «Todos os partidos políticos dos últimos 85 anos, além de outros factores de secundária importância, fizeram dela o que quer que seja de triste e de confrangedor»

Cortesia de wikipedia

«(…) Implantado o regime republicano, que perspectivas se abriram para essa mocidade das escolas tão lisonjeada durante os tempos da propaganda oposicionista? O desencanto manifesto nas páginas dos jornais republicanos académicos, poucos meses após a euforia que rodeou a revolução, traduz a existência de um crescente desencontro entre os que aspiram a uma radical transformação das estruturas universitárias e aqueles que, tornados sóbrios e sisudos pelas novas responsabilidades governativas, fazem a apologia da moderação. Enquanto, nas escolas, se reivindica a equidade nas relações docente/discente, a par de uma nova metodologia de ensino, enquanto, em Coimbra, a chamada falange demagógica investe contra os símbolos da tradição (com um programa semelhante ao dos intransigentes da greve de 1907 formou-se em Coimbra, no alvorecer da República, um grupo académico, de renovação democrática, que, a si próprio se denominando de falange demagógica, investiu, em 17 de Outubro, a tiro de cacete, as doutrinas e a decoração da Sala dos Capelos, chegando até a perfurar, à bala, algumas das efígies que ali formam, ainda hoje, a galeria histórica dos monarcas portugueses), António José de Almeida, na sua função de ministro do Interior, declara em plena Assembleia Constituinte que Quem praticou actos dignos de castigo há-de ser castigado, porque é preciso que a ordem se implante, de uma vez para sempre, em Portugal.
Frustrado o radicalismo juvenil perante o evoluir dos acontecimentos e dos actores históricos, iludidas as expectativas numa República afeiçoada aos mais nobres ideais de incorruptível intransigência política, de generosa justiça social, de coerente cumprimento das suas promessas, adiada, enfim, a concretização da Utopia, são encetados outros caminhos, alinhadas outras tendências. Um pouco por todo o lado trabalha-se, de novo, na reorganização do movimento associativo, planejando-se o relançamento da Federação Académica de Lisboa. Em 1913, após um movimento iniciado em Março pela Associação Académica do Instituto Superior do Comércio, logo secundado pelas associações Académicas das Faculdades de Letras e Ciências, da Escola de Medicina Veterinária e dos Institutos Superiores Técnico e de Agronomia, é fundada a tão almejada Federação Académica de Lisboa. Dois anos mais tarde, em Março de 1915, publica-se o primeiro número da Revista da Federação Académica de Lisboa, precioso documento para o estudo do clima ideológico no meio estudantil, cinco anos volvidos sobre o 5 de Outubro e em plena ditadura de Pimenta de Castro.
Os propósitos da Revista, que pretendem ser idênticos aos propósitos da Federação de que é porta-voz, são enunciados no artigo de apresentação. Depois de se declarar que em torno da bandeira da Federação Académica, símbolo da obra de confraternização e progresso que se propõe efectivar, se enfileiram, como soldados do Bem e do Dever, todos os estudantes, prontos a defenderem os seus interesses, que são os interesses da Pátria, é abordado o plano de realizações que a Revista pensa levar a cabo:
  • Propondo-se realizar uma obra verdadeira e acentuadamente patriótica, esforçar-se-á por inserir artigos em que se abordem e discutam principalmente assuntos de interesse nacional, desde a mais simples comemoração histórica que recorde passadas glórias até aos mais complexos e autorizados projectos de comércio, de indústria, de agricultura, de finanças, de colónias, de instrução e educação que possam directamente concorrer para o renascimento português, fazendo ingressar a Nação no movimento moderno, de que anda, infelizmente, tão afastada.
A vocação da academia para os altos voos da história surge-nos, agora, alicerçada nos valores Progresso, Dever, Renascimento e Pátria. Poder-se-á objectar que foi em nome do Progresso e para o Renascimento da Pátria que se difundiu o ideal da República. Nada mais exacto. Simplesmente, antes de 1910 foi o valor máximo República que a academia, com toda a carga de religiosidade e utopismo que caracteriza os grandes impulsos colectivos, orientou a sua acção. Ulteriormente, tanto em 1915 como em 1918 e, mais tarde, em 1926, um vasto sector da juventude, que ainda se reclama do republicanismo, tende a apostar numa revisão das formas que configuram o regime republicano. Neste sentido, muitos apoiam o professor Lino Neto quando este escreve, na Revista da Federação Académica de Lisboa, que a unidade da Pátria está enfraquecida. Todos os partidos políticos dos últimos 85 anos, além de outros factores de secundária importância, fizeram dela o que quer que seja de triste e de confrangedor. Uns poucos, noutro quadrante ideológico, escutam o pedagogo António Sérgio, lêem as suas palavras: Cumpre à mocidade estudar e discutir as questões vitais do seu país, mas de maneira alguma imiscuir-se nas brigas partidárias; o seu dever é exprimir, acima dos partidos (de todos eles) o verdadeiro protesto da Nação [...] Outros há, porém, que, teimosamente fiéis ao ideário que lhes foi legado pelos seus antecessores, acorrem sempre que vêem perigar o sistema republicano liberal e parlamentar». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT

sábado, 3 de maio de 2014

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «… com o objectivo de constituir um ‘contra-poder’ da direita radical ao projecto de partido da Ditadura Militar, a União Nacional Republicana. Mais tarde, viria a constituir a plataforma de arranque do ‘Movimento Nacional-Sindicalista’»

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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) Entretanto, em Agosto, a Ditadura é atacada por dentro; com o apoio de elementos integralistas vários tenentes afectos a Gomes da Gosta (comandante Filomeno Câmara, tenente Henrique Galvão, tenente Alfredo Morais Sarmento, capitão David Neto, Fidelino Figueiredo e António Ferro) procuram, em vão, tomar o poder através de uma iniciativa militar coadjuvada por civis posicionados em lugares-chave do Estado. Segundo António Costa Pinto, o golpe dos Fifis, (12 / 8 / 1927) constituiu o primeiro sinal de resposta do sector fascizante ao seu afastamento forçado do poder, radicalizado pela tentativa de entregar a vice-presidência do Ministério ao coronel Abílio Passos Sousa (a nomeação do Ministro da Guerra para a vice-presidência do Ministério, em 11 / 8 /.1927, foi vista pelos observadores estrangeiros da seguinte forma: O coronel Passos Sousa demitiu-se do lugar de vice-presidente do Ministério [26/8/27], oficialmente porque considerava não poder acumular os novos deveres com os do Ministério da Guerra, na prática porque, existindo duas correntes de opinião diferentes no seio do Exército, considerou impossível constituir um ministério que reunisse o apoio de todo o Exército).
Mas neutralizada a acção revolucionária nas ruas e contidas as belicosidades da direita, resta ao republicanismo conservador restabelecer a normalidade constitucional. Vicente Freitas (representante da ala liberal das chefias militares, identifica-se com o grupo de oficiais republicanos conservadores que consideram a Ditadura Militar como uma solução provisória necessária para preparar o regresso a um regime democrático mais eficaz, o que o coloca em choque aberto com Salazar), tutelar da pasta do Interior de 26 de Agosto de 1927 a 8 de Julho de 1929 promete, em Dezembro de 1927, a realização de eleições administrativas, anuncia um novo projecto de lei eleitoral e dá início ao recenseamento para as eleições presidenciais de Carmona, nas quais caberia à recém-criada União Nacional Republicana (UNR) um papel de apoio à Ditadura. Mas, no exterior, a LDR/LP alega a inconstitucionalidade do empréstimo e, a este respeito, os vários estudos de Salazar, ainda regente das cadeiras de Finanças e de Economia Política na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), publicados no Novidades de Janeiro a Abril de 1928, firmam a sua posição contra o recurso ao crédito externo sem o prévio estabelecimento do equilíbrio orçamental. Empenhado na defesa de uma alternativa clara e tecnicamente correcta à política financeira seguida pela Ditadura Militar, o professor de Coimbra adianta já algumas das soluções para a profunda crise financeira que o país atravessa.
Perante a impossibilidade física de Sinel Cordes, Ivens Ferraz, ministro do Comércio e interinamente das Finanças, desloca-se a Genebra para encetar as negociações com os técnicos da Secção Económica e Financeira da SDN, que meses antes tinham estado em Portugal para avaliar a real situação do país. Porém, as condições impostas pela SDN (a nomeação de um oficial de ligação junto do Governo Português com funções de controle e o direito do Comité enviar a Portugal, no caso de incumprimento do protocolo, uma comissão financeira, composta por 3 membros, para administrar as receitas consignadas ao serviço do empréstimo), atentatórias do brio nacional, levam o ministro a declinar quer as condições quer a proposta de adiamento (...). A notícia de que a SDN submetia a aprovação do empréstimo à aceitação das condições impostas pelo seu comité financeiro (..) foi recebida em Portugal com grande perplexidade e indignação. Artigos violentos de todas as correntes de opinião surgiram na imprensa portuguesa (...) e, no dia 16 de Março, à sua chegada a Lisboa, Ivens Ferraz é aclamado por milhares de pessoas, no Rossio, numa manifestação organizada pela Liga 28 de Maio, a que também adere a Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira (fundada em Julho de 1918 pelo tenente João Afonso Miranda, a Cruzada Nun'Álvares surge como uma pequena liga nacionalista que opera, em 1926, uma viragem ideológica fascizante. Martinho Nobre Melo foi um dos seus principais ideólogos pós-28 de Maio).
Se, por um lado, a recusa dos delegados portugueses na SDN, genericamente bem aceite pelos vários quadrantes da opinião pública granjeia popularidade para o Governo, por outro apressa um novo tipo de solução para a crise. Tanto mais que, em nome da redução das despesas públicas, o Governo decreta a extinção da Faculdade de Direito de Lisboa, da Faculdade de Letras do Porto, da Faculdade de Farmácia e da Escola Normal Superior de Coimbra, do Liceu da Horta e das Escolas Normais Primárias de Coimbra, Braga e Ponta Delgada, dando início ao maior movimento académico registado durante a Ditadura Militar que culminaria, um mês depois, na greve das três universidades do país e se manteria em movimento de protesto até Outubro seguinte.
Sem finanças nem política financeira, Sinel Cordes é exonerado do Ministério das Finanças em 18 de Abril e substituído, em 26 do mesmo mês, por Salazar na respectiva tutela. Mau grado o curso reformista que a eleição de Carmona para a presidência da República (em 25 de Março) e a nomeação de José Vicente Freitas (em 18 de Abril), para presidente do 4.º Ministério, emprestam à Ditadura Militar, a ausência de um projecto político coerente e apoiado faz tremer a liderança dos militares republicanos conservadores no poder. É nestas circunstâncias que ganha força o programa alternativo proposto pelo mago das finanças. Nas suas Condições da Reforma Financeira, o professor de Coimbra arroga-se o direito de veto sobre as despesas dos demais ministérios, tutelando-lhes a acção, com o fim último de alcançar o equilíbrio orçamental há tanto reclamado pelas forças vivas. Pouco depois, hierarquiza os problemas nacionais e a ordem da sua solução e, subordinando tudo o mais ao sacrifício que o equilíbrio das contas públicas exige, prossegue uma política financeira de austeridade que conta com o apoio das Forças Armadas para conter a impopularidade dela resultante e assegurar a ordem pública». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT

sexta-feira, 7 de março de 2014

Textos Dispersos. Flores da Inocência. José Duro. «… são os ossos da garruda... e pelas suas faces rudes e crestadas rolaram muitas lágrimas de sublime sentimento. Depois, lá foi pelas serranias apascentar o manso rebanho, com a resignação das almas ignorantes»

pai de joseduro
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Silvério e a Garruda
«Escondera-se o sol nas candentes bandas do poente; e a atmosfera coara morosamente os derradeiros clarões da sua auréola de deslumbrante luz, numa concupiscência indescritível. Do alto das escabrosas penedias ressoavam numa monotonia estridente e lúgubre, os gritos das aves agourentas, vindo unir-se ligeiramente com o vago troar dos ralos e das cigarras no fundo ressequido dos prados.
Nas balsas marginais dos riachos, os rouxinóis entoavam os seus alegretos; poemas rústicos de saudades imensas. À beira dos caminhos os ingénuos e acetinados pirilampos, mostravam o brilho um tanto fosco da sua luz subtil aos pequenos viageiros do crepúsculo, talvez invejosos dela. E pelas quebradas dos montes, ecoava o pungente ulular dos famintos lobos em busca dalguma presa inocente, refeição dessa noite.
Então o pastorinho Silvério, cansado das fadigas, e ébrio do sol daquele dia de Agosto, começou de reunir o manso rebanho, que todos os dias apascentava com a resignação das almas ignorantes. E depois de reunido, lá foi por atalhos e veredas conduzi-lo ao bardo, onde o pai o esperava para proceder à contagem. Contadas que foram, faltava uma ovelha, era a garruda.
E ele, o Silvério, sempre paciente e alegre, sem esperar que lho dissessem, tornou aos montes em busca da ovelha perdida. Chegando àqueles onde houvera estado durante o dia, sobe pelos pedregulhos grosseiros e irregulares, espraia a vista pelas cumeadas, embrenha-se nas fragas, chora, chega mesmo a zangar-se, e gritando sempre, garruda!... Garruda!... todos os esforços que emprega são baldados. Só uma cousa notaria se não fora o estado aflitivo em que se encontrava: Era que pelas quebradas dos montes, não se ouvia agora só o pungente ulular dos famintos lobos em busca de alguma presa inocente, mas sim também o rosnar surdo e raivoso de feras em disputa.

No dia seguinte, à hora matinal em que nas balsas marginais dos riachos os rouxinóis começavam a entoar desafogadamente os seus alegretos, passava o Silvério com o rebanho por uma vereda espessa e tortuosa, quando junto duma seara viu uns pequenos ossitos recentemente roídos, e ensanguentados.
Levado por um vago pressentimento, aproxima-se, mas de repente solta um grito lancinante ao mesmo tempo que por entre soluços murmura: são os ossos da garruda... e pelas suas faces rudes e crestadas rolaram muitas lágrimas de sublime sentimento. Depois, lá foi pelas serranias apascentar o manso rebanho, com a resignação das almas ignorantes». In J. A. Duro Junior, Portalegre, 24-8-93, Diário de Elvas, nº 55, 4-9-1893.

In José Duro, Textos dispersos, Coordenação de António Ventura, edições Colibri, 1999, ISBN 972-772-120-6.

Cortesia de EColibri/JDACT

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «… António Sérgio, entre outros, lançam as bases para a criação da Liga de Defesa da República/Liga de Paris (LDR/LP). E, logo em Julho, no seu primeiro manifesto Ao País, a LDR/LP combate denodadamente as políticas financeira…»


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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) Nos primeiros dias de Fevereiro de 1927, com o objectivo de constituir um forte governo nacional que restaure o regime e a Constituição e, simultaneamente, moralize a vida política portuguesa em nome das liberdades fundamentais e do saneamento da crise económico-financeira ocorre, no Porto (3-7/2/1927) e em Lisboa (7-9/2/1927), com manifestações em diversos pontos do país, a revolta militar e civil republicana que determinaria o futuro da Ditadura. A este respeito, Luís Farinha adianta que a clara vitória militar que [a Ditadura] havia obtido sobre os revoltosos (...) permite, ao sector republicano da Ditadura (onde se evidenciavam agora Carmona e o Ministro da Guerra Passos Sousa), levar por diante uma política de limpeza de todos os resquícios revolucionários e ensaiar mesmo uma política de aproximação aos representantes do republicanismo democrático moderado. Afora da situação, a repressão a que dá lugar traduz-se em centenas de presos, deportados, exilados e mortos, milhares de feridos e avultados prejuízos materiais, ao mesmo tempo que são demitidos todos os funcionários públicos ? implicados e dissolvidas todas as unidades do Exército e da GNR directa ou indirectamente envolvidas nos movimentos. O desenrolar do processo de saneamentos faz-se acompanhar, na situação, por um aumento de apoios à Ditadura: internacionalmente, Inglaterra e Espanha felicitam o Governo na pessoa do Ministro da Guerra, tenente-coronel Passos Sousa, pelo modo eficaz com que combateu e dominou os revoltosos; no plano interno, a Ditadura firma-se nos sectores direitistas conservadores e na direita radical; no plano externo, Afonso Costa Álvaro Castro, Domingues Santos, Jaime Cortesão, António Sérgio, entre outros, lançam as bases para a criação da Liga de Defesa da República/Liga de Paris (LDR/LP). E, logo em Julho, no seu primeiro manifesto Ao País, a LDR/LP combate denodadamente as políticas financeira, económica e administrativa da Ditadura, especialmente as negociações levadas a cabo pelo ministro das Finanças, Sinel Cordes, junto da Sociedade das Nações (SDN), no sentido de obter um empréstimo externo que permitisse ao país efectuar um plano geral de restauração financeira, de estabilização monetária e de desenvolvimento económico. Nos dias seguintes, mais concretamente no dia 17, imponentes manifestações a favor do Governo tiveram lugar em frente ao Congresso (…) por centenas de pessoas representantes dos principais interesses económicos da capital, e por 150 estudantes das Universidades de Coimbra, Lisboa e Porto.
A crise aprofunda-se. Apesar da dívida externa para com a Inglaterra ser reduzida em Janeiro de 1927, esta não deixa de ter um importante peso nas despesas do Estado. A política de despesismo praticada com as Forças Armadas (repressão das revoltas de Fevereiro, rearmamento, novos equipamentos e pessoal), departamentos burocráticos do Estado, administrações coloniais e municipais reforçam igualmente, a par da concessão de elevados subsídios a empresas do sector privado, a política de esbanjamento que caracterizou a administração sineliana. Paralelamente, os sectores mais afectados pela crise, ligados à exportação, reclamam do Governo a estabilização monetária e o equilíbrio orçamental. Pressionado pelas evidências, Sinel Cordes tenta obter o referido crédito externo e, com isso, equilibrar a balança de pagamentos, manter o escudo estável e promover obras de fomento de base». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de Colibri/JDACT

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «… amparado por personalidades afectas ao bloco conservador, liderado por Sinel Cordes, ao Integralismo Lusitano (IL) e à direita radical. … as hesitações do momento político não [davam] a qualquer esforço a menor garantia de êxito…»

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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) A primeira destas clarificações termina em 17/6/1926 com o afastamento do comandante José Mendes Cabeçadas Júnior, chefe militar do movimento de Maio em Lisboa, pelo general Manuel Oliveira Gomes da Costa. Com efeito, após ter exigido a nomeação de um governo de carácter extra-partidário, constituído por republicanos que merecessem a confiança do País, Mendes Cabeçadas afasta o Partido Radical, encerra o Congresso da República e o Senado e, no dia 12 de Junho, recebe a carta de Bernardino Machado na qual o Presidente da República afirma não lhe ser possível continuar no exercício da suprema Magistratura da Nação. Demasiado comprometido com os partidos da República, Mendes Cabeçadas revela-se incapaz de congregar as várias facções republicanas e, após ter recusado aceitar o programa apresentado ao Governo pela direita político-militar no dia 14 desse mês, de autoria de Trindade Coelho, é arredado do poder quatro dias depois.
Estava assim afastada qualquer aparência de legitimidade constitucional do poder político. No dia 19 Gomes da Costa é nomeado Presidente do Ministério, e interino do Interior, amparado por personalidades afectas ao bloco conservador, liderado por Sinel Cordes, ao Integralismo Lusitano (IL) e à direita radical. Será, também neste caso, a sua incapacidade para gerir o equilíbrio entre as forças apoiantes o móbil para que uma representação de direita, composta por Sinel Cordes, Raul Esteves, Schiappa Azevedo, Mouzinho Albuquerque e Luís Domingues, exija a sua demissão (7/7/1926). Como bem afirma Oliveira Salazar, convidado por ambos os políticos, Cabeçadas e Gomes da Costa, para tutelar a pasta das Finanças, as hesitações do momento político não [davam] a qualquer esforço a menor garantia de êxito.
Defraudadas as aspirações reformistas do liberalismo republicano, arredadas as pretensões da direita radical, o general Óscar Carmona, representante do bloco militar conservador, chefia o 3.º Ministério da Ditadura Militar com Sinel Cordes à frente das Finanças (9/7/1926). Pareciam, finalmente, reunidas as condições de sólida governação para enfrentar os difíceis problemas administrativos, económicos e sociais em que o país se encontrava mergulhado. No entanto, o campo republicano ligado aos velhos partidos divide-se e protagoniza uma nova fase de clarificações políticas. Por um lado, a esquerda e a direita republicanas, partidárias respectivamente de uma via revolucionária contra a ditadura e de uma solução regeneradora por via legalista; por outro, a direita radical e fascizante, defensora da ruptura com o sistema liberal e apostada numa ortodoxia radical de construção de um Estado nacionalista baseado no corporativismo integral.
Sem nunca ter definido um programa, proposto uma táctica clara ou designado uma liderança, foi o sector republicano-conservador da ditadura quem deteve o poder, quer no governo quer nas Forças Armadas, entre Julho de 1926 e Janeiro de 1930. Mas em meados de Setembro de 1926 têm lugar as duas primeiras tentativas de rebelião contra a Ditadura Militar, prontamente dominadas pelas forças leais ao Governo: o capitão Alfredo Chaves, reviralhista, tenta sublevar o Regimento de Infantaria 19 em Chaves, e o integralista João Almeida, em Lisboa, perpetra uma tentativa de golpe de Estado que visava arrastar a situação mais para a direita. E se a investidura a título interino, do general Carmona na função de Chefe de Estado indiciava a tão desejada unidade, não deixa de ser evidente a constituição de um bloco anti-ditatorial grandemente favorecido pelo agudizar dos mecanismos de controlo e de repressão. E, ainda em Dezembro, a organização de um Comité Revolucionário liderado pelo general Adalberto Gastão Sousa Dias anuncia os intentos de revirar a situação». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT

terça-feira, 14 de maio de 2013

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «No final dos anos vinte, a formação social portuguesa atravessa o momento crítico de uma prolongada crise económica que reforça a situação de dependência e de atraso que estruturalmente a caracterizam»

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Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) No entanto, a República procura a todo o custo equilibrar as finanças do Estado, reforma fiscal de Portugal Durão em 1922/23, inverter a tendência inflacionista e estabilizar o custo de vida; mas o clima de tensão social e o estado de insegurança política, três tentativas golpistas entre Agosto e Setembro de 1924, (será o que nos falta?) não reabilitam a confiança dos investidores, as associações patronais e os grandes grupos económicos organizam-se e, em Setembro de 1924, constituem a União dos Interesses Económicos, UIE, com o fim último de acabar com a desordem e a partidocracia. Porém, os milhares de desempregados produzidos pelo agravamento da crise, o início das deportações sem julgamento de activistas operários, desmantelando em grande parte a organização operária cuja imprensa se encontra em nítida regressão e os excessos das forças repressivas, vão operar uma determinante clivagem política. Em Novembro de 1924 a Esquerda Democrática, ED, de José Domingues Santos sobe ao poder. Segundo Fernando Medeiros, terá sido a natureza radical dos seus projectos, proposta de reforma agrária de Ezequiel Campos; política económica de apoio às pequenas e médias empresas; reconhecimento oficial da Confederação Geral dos Trabalhadores, CGT, libertação dos operários detidos nos meses anteriores e dissolução da Associação Comercial de Lisboa, ACL, que a fez cair em Fevereiro de 1925, mau grado as manifestações populares de apoio ao governo canhoto.
César Oliveira refere igualmente que a breve experiência de governo da Esquerda Democrática presidida por José Domingues Santos assustou as forças sociais e políticas mais conservadoras, dado representar uma saída com apoio popular para a crise da República. Simultaneamente, a reforma financeira não produz os efeitos esperados e o Partido Democrático agrava a pauta alfandegária. No entanto, os mercados nacional e colonial encontram-se em contracção e a falência de centenas de casas comerciais implica consequências de ordem social. É contra esta anarquia governativa que os militares de Braga se revoltam, contra uma República que experimentou 29 ministérios, 13 golpes militares, 4 eleições legislativas e 3 Presidentes da República entre 1919-1926 sem que o seu pessoal político tivesse conseguido granjear a confiança dos investidores e conservar a sua base tradicional de apoio, num processo que acaba por dissociar a tradicional base de apoio da República. A desagregação económica, social e política da República tornaria assim possível que as diversas oposições se aproximassem e se instalasse a crise de legitimidade dos bonzos do PRP.
Fernando Rosas resume:

  • No final dos anos vinte, a formação social portuguesa atravessa o momento crítico de uma prolongada crise económica que reforça a situação de dependência e de atraso que estruturalmente a caracterizam. Uma classe dominante enfraquecida, dividida por contradições, que a conjuntura agrava, sem um sector claramente hegemónico e sem capacidade de enquadramento de um movimento operário em declínio, mas com um passado recente de forte agressividade social e política, põe-se de acordo quanto à necessidade de um novo tipo de poder político.

Instaurada a28 de Maio de 1926, a Ditadura Militar não pôs, também ela, fim à instabilidade característica da República distinguindo-se, ao invés, pela luta activa que evidencia um dos períodos mais convulsivos da história política portuguesa deste século XX. Filha de grandes incertezas, hesitações e tergiversações, a Ditadura Militar sabia apenas para o que nascia: derrubar o partido identificado com António Maria Silva e afastar os homens do Partido Republicano Português das cadeiras do poder. Era esse o objectivo dos partidos e forças políticas consensualmente empenhados na obra de regeneração nacional sob a iniciativa das Forças Armadas.
No entanto, e apesar do objectivo comum, o levantamento não traz consigo qualquer programa previamente definido. É exactamente essa ambiguidade a responsável pelo florescimento de concepções as mais diversas acerca do modo de reformar ou romper com o regime vigente e futura condução dos destinos do país. Neste contexto, os objectivos contraditórios e radicalmente opostos apresentados por cada uma das forças políticas presentes dão origem a separações de interesses entre os revoltosos, aquilo que Fernando Rosas designou por clarificações no processo de transição da Ditadura Militar para o Estado Novo.
Até 1931, a Ditadura Militar caracteriza-se por um equilíbrio instável resultante da luta entre republicanos liberais e conservadores, por um lado, e forças antiliberais e antidemocráticas, por outro. Partidários da instauração de uma república conservadora, embora liberal e parlamentar, o primeiro bloco, com estreitas ligações com a elite militar conservadora e republicana, aposta numa mudança de turno que, dentro da legalidade constitucional, traga ao país a alternância necessária e coloque a ULR na direcção do Estado. E o grupo que se revê na direita republicana onde predominam o Partido Nacionalista, PN, e a ULR de Cunha Leal. O segundo bloco, apoiado pelas forças conservadoras em geral, monárquicos, integralistas e pró-fascistas, preconiza um corte radical com o passado e a Ditadura como um fim em si mesmo, garante da ordem e de uma política conservadora». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT

domingo, 12 de maio de 2013

As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar. 1926-1932. Cristina Faria. «A juventude é a grande força da vida do homem; onde há sangue novo, há vigor, há certeza de triunfo; onde há cérebro moço, há ideias que fervilham, há ânsias de renovação, há ideias que remoçam»

Cortejo fúnebre do estudante do Instituto Industrial, João Martins Branco, falecido na sequência dos acontecimentos ocorridos no dia 28 de Abril de 1931 na Faculdade de Medicina do Porto. Na foto, o féretro descendo a Rua dos Clérigos numa imponente manifestação de pesar da Invicta (30/04/1931).
jdact


Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«Em 17 de Dezembro de 1923, Cunha Leal, em sessão pública realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa, defendia a restauração de um regime ditatorial regenerador e apelava à intervenção da única entidade que, na sua opinião, poderia salvar Portugal: as Forças Armadas, símbolo máximo da Pátria, ‘exemplo de disciplina’ e ‘garante da ordem’. Nesse ano em que a crise profunda, com início em finais de 1919, inícios de 1920, atinge um dos seus pontos altos com o fim do ‘pão político’, o capitão do Exército, mais tarde fundador da União Liberal Republicana (ULR), adivinha o papel preponderante que as Forças Armadas assumirão na ‘salvação nacional’ enquanto instrumento consensual entre as várias sensibilidades políticas presentes no momento e referência última da legitimidade do Estado.
E, de facto, quando em Braga os militares avançam com o movimento em 28 de Maio de 1926, sob a liderança do gen. Gomes da Costa, fazem-no com o objectivo explícito de salvar a Pátria da governação dos ‘bonzos’ do Partido Republicano Português (PRP). Mais do que instaurar um programa político definido, o levantamento preocupar-se-ia em arredar definitivamente da vida política portuguesa a governação corrupta, demagógica e autoritária dos democráticos de António Maria Silva, incapaz de solucionar, ou pelo menos minimizar, a crise financeira, económica e social endemicamente instalada no país. Urgia, portanto, substitui-la por um ‘regime de ordem’, de ‘excepção’, ‘que saneasse as finanças, relançasse a economia na metrópole e nas colónias e criasse as condições de uma nova ordem político republicana’.
As razões do agravamento da crise devem procurar-se no contexto de conflitualidade e instabilidade produzido pela entrada de Portugal na I Guerra Mundial. Os efeitos da economia de guerra ameaçam o país de fome. A carestia dos bens essenciais, o racionamento dos géneros alimentares e a descida dos salários agrícolas e industriais provocam, nas grandes cidades de Lisboa e Porto, assaltos a lojas e motins populares numa onda de agitação social que lança um movimento reivindicativo sem precedentes durante toda a República. Com a ‘República Nova’ de Sidónio Pais a agricultura conhece algum incremento produtivo através de uma política de favorecimento do sector, mas o movimento grevista só é contido pelas medidas brutais de repressão que lhe são infligidas.
No fim da guerra, a derrota das várias iniciativas militares pró-monárquicas reintroduz progressivamente as liberdades e os mecanismos constitucionais suspensos desde o golpe sidonista e a República tenta normalizar a sua situação, sobretudo através do Partido Socialista. Todavia, o desemprego mobiliza os protestos do movimento social contra a especulação, o açambarcamento e a diminuição do poder de compra por parte dos trabalhadores assalariados e dá-se entrada nos anos de 1920 / 21 com um adensamento das lutas e greves gerais. A balança de pagamentos acusa a diminuição do fluxo de remessas de emigrantes do Brasil, o escudo cai vertiginosamente e perde 20 vezes o seu valor em relação à libra. Consequentemente, a inflação galopante não permite que a subida dos salários seja proporcional à subida dos preços e ao aumento do custo de vida e a reacção social extrema-se.
As ‘revoltas da fome’ registadas nos anos de 1922 / 23 levam o Partido Democrático (PD) a favorecer os preços agrícolas como forma de conquistar os sectores mais moderados do campo e assegurar os abastecimentos na cidade e, em 19 de Agosto de 1923, Joaquim Ribeiro, ministro da Agricultura, abole o pão político, o pão barato subsidiado das cidades. O consequente aumento deste género alimentar determina violentas manifestações de protesto entre as classes de rendimentos inferiores motivando o que Fernando Medeiros designou como o último sobressalto da iniciativa sindicalista. Três meses depois, Ginestal Machado coloca o tenente-coronel Ferreira do Amaral à frente da Polícia e, em 24 de Dezembro desse mesmo ano, o governo de Álvaro de Castro nomeia Sá Cardoso para a pasta da Guerra; juntos, protagonizam o endurecimento da repressão contra o movimento operário e sindicalista.

A juventude é a grande força da vida do homem; onde há sangue novo, há vigor, há certeza de triunfo; onde há cérebro moço, há ideias que fervilham, há ânsias de renovação, há ideias que remoçam. In Virgílio Marinha de Campos, Liberdade, 27/4/1930

E o ano de 1924 começa com as ‘jornadas de Fevereiro’ contra a vida cara e o fascismos. Entre os dias 17 e 22 deste mês, têm lugar inúmeros comícios e manifestações organizadas por forças políticas e sindicais de esquerda contra as tentativas de instauração de um regime ditatorial de direita e exigindo a concretização de medidas tendentes à melhoria das condições de vida dos trabalhadores». In Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.

Cortesia de E. Colibri/JDACT