Cortesia de esquilo e masoneria
Teosofia
«Pessoa teve contacto estreito com a teosofia (movimento ocultista criado em 1875 por Blavatsky, 1831-1891, cuja característica principal é um sincretismo das tradições esotéricas orientais e ocidentais) que descobre em 1915, com 27 anos, tendo traduzido para português vários livros dessa corrente esotérica de finais do século XIX. A teosofia desempenha pois em Pessoa um papel de grande importância, pois é ela que, com a sua concepção de uma Tradição Primordial, núcleo comum a todas as tradições religiosas e iniciáticas, vem sustentar, de algum modo, o “neopaganismo” essencial de Pessoa, pois todos os deuses são iguais quanto à sua dignidade espiritual, visto que têm um tronco comum. Por outro lado, ao poder ser lida como um sistema “ultracristão”, é ela que vai permitir a Pessoa, a passagem do “estádio neopagão” para o estádio gnóstico (utilizando as denominações de António Quadros, cf. Obra de Fernando Pessoa, vol. III).
Numa carta a Mário de Sá Carneiro, datada de 6 de Dezembro de 1915, escreve o Poeta, em plena fase de fascínio pelo pensamento blavatskiano:
- "A (crise intelectual) que apareceu agora deriva da circunstância de eu ter tomado conhecimento das doutrinas teosóficas (...) conheço a essência desse sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje impossível (...) O carácter extremamente vasto desta religião-filosofia (...) perturbaram-me muito (...). E depois de ter confessado que ‘cousa idêntica’ lhe acontecera ‘há muito tempo com a leitura de um livro inglês sobre «Os Ritos e os Mistérios da Rosa-Cruz», Pessoa afirma que está perturbado ou mesmo assustado pela possibilidade de que ali, na Teosofia esteja a verdade real.
Nessa mesma carta, Pessoa explicita a razão da sua perturbação ou crise pois ao considerar a Teosofia como um ‘sistema ultracristão, no sentido de conter os princípios cristãos elevados a um ponto onde se fundem não sei em que além-Deus’, ela estaria em contradição com o seu neopaganismo essencial. Mas, por outro lado, ao admitir todas as religiões, a Teosofia teria um carácter inteiramente parecido com o do paganismo que admite no seu panteão todos os deuses, o que constituiria o segundo elemento da grave crise de alma de Pessoa.
Cortesia de livrariaspirit
Helena P. Blavatsky (1831-1891), russa de nascimento, foi uma grande viajante e uma incansável estudiosa das Tradições espirituais da Humanidade. Em 1875 ela funda em Nova Iorque, juntamente com Olcott e Judge, a Sociedade Teosófica (S.T.) que, mais tarde, mudará a sua sede para Adyar (Madras), na Índia, em 1883 e cujos objectivos (traçados em 1886) são:
- - formar o núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade, sem distinção de raça, credo, sexo ou cor;
- - encorajar o estudo comparado das religiões, das filosofias e das ciências;
- - estudar as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes do Homem.
A doutrina de Blavatsky, após uma fase hermetista, ocidental, personificada pela sua obra "Ísis sem véu" (1877), vai dar origem a uma doutrina orientalizante, fortemente influenciada pelo Hinduísmo e depois pelo Budismo, sobretudo depois da viagem à Índia de Helena. Desta segunda e última fase da doutrina blavatskiana, a obra em seis volumes "A Doutrina Secreta", 1888, é o seu expoente máximo.
Poderemos salientar como aspectos importantes das ideias e da acção de Helena Petrovna, desde logo, a chamada de atenção, a nível de um grande público, para as espiritualidades orientais, num clima de grande tolerância e ecumenismo, por vezes sincrético, é certo, valorizando (mesmo na Índia, face à cultura e religião ocidental) as tradições do Hinduísmo e também, desenvolvendo uma luta política no campo anticolonial particularmente na Índia. No século XX, algumas correntes das novas espiritualidades "new age" foram influenciadas pela Teosofia, particularmente o tema da "Grande Fraternidade Branca", formada pelos Mestres ou Mahatmas que guiam e instruem a Humanidade.
No entanto, mais tarde e passado o fascínio inicial, Pessoa revelará algum desencanto para com a teosofia blavatskiana, ressalvando no entanto os seus aspectos positivos:
- «É fora de dúvida que Madame Blavatsky era um espírito confuso e fraudoso; mas também e fora de dúvida que recebera uma mensagem e uma missão dos Superiores Incógnitos»
In José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.
Cortesia de Ésquilo/JDACT