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de wikipedia e jdact
A
Infância de Sofia
«Príncipe Cristiano Augusto de Anhalt-Zerbst dificilmente se
distinguia na chusma de obscuros nobres empobrecidos que conturbavam o panorama
e a sociedade da politicamente fragmentada Alemanha do século XVIII. Não
possuindo qualidades excepcionais nem vícios alarmantes, o príncipe Cristiano
demonstrava as sólidas virtudes da sua linhagem Junker: um grave senso de ordem
e disciplina, integridade, parcimónia e piedade, aliados a uma inabalável falta
de interesse por fofocas, intrigas, literatura e o mundo externo em geral.
Nascido em 1690, fez carreira como soldado profissional no Exército do rei
Frederico Guilherme da Prússia. Sua actuação militar em campanhas contra a Suécia,
França e Áustria foi meticulosamente organizada, mas as suas proezas no campo
de batalha não foram extraordinárias, e nada aconteceu para acelerar ou
retardar sua carreira. Quando veio a paz, o rei, que certa vez teria-se
referido a seu leal oficial como aquele idiota, Zerbst, deu-lhe o comando de um
regimento de infantaria que guarnecia o porto de Stettin, recentemente
adquirido da Suécia, na costa báltica da Pomerânia. Ali, em 1727, o príncipe
Cristiano, ainda solteiro aos 37 anos, acedeu aos apelos da família e se dispôs
a produzir um herdeiro. Vestindo seu melhor uniforme azul e levando a sua
reluzente espada cerimonial, desposou a princesa Joana Elizabeth de
Holstein-Gottorp, de 15 anos de idade, que ele mal conhecia. A família dele,
que havia arranjado a união com a dela, estava exultante. A linhagem de
Anhalt-Zerbst parecia assegurada e, além disso, a família de Joana estava um
degrau acima na escala de posição social.
Foi um mau casamento.
Havia problemas de diferença de idade. A união de uma adolescente com um homem
de meia-idade geralmente é fruto de uma confusão de motivos e expectativas.
Quando Joana, de uma boa família, mas com pouco dinheiro, chegou à adolescência,
e seus pais, sem consultá-la, arranjaram essa união a um homem respeitável com
quase o triplo da sua idade, Joana só pôde consentir. Facto ainda menos
promissor, o carácter e o temperamento dos dois eram quase totalmente opostos.
Cristiano Augusto era simples, honesto, austero, recluso e parcimonioso. Joana
Elizabeth era complicada, vivaz, amante do prazer e extravagante. Era
considerada bela e, com as sobrancelhas arqueadas, cabelos louros cacheados,
charme e uma exuberante vontade de agradar, atraía facilmente as pessoas. Em
ocasiões sociais, tinha necessidade de cativar, mas, à medida que envelhecia,
tentava um pouco demais. Com o tempo, outras falhas apareceram. Muita conversa
alegre revelava sua superficialidade; quando era contrariada, seu charme
azedava para a irritabilidade, e o temperamento forte explodia sem aviso.
Subjacente a esse comportamento, e Joana sabia disso desde o início, estava o
facto de que seu casamento havia sido um terrível, e agora inescapável erro.
A confirmação veio
rapidamente, quando ela viu a casa em Stettin, para onde o marido a trouxera.
Joana havia passado a juventude em ambientes extremamente elegantes. Tinha 11
irmãos e, como a família formava um ramo menor ligado aos duques de Holstein,
seu pai, o bispo luterano de Lubeck, levou Joana para morar com a madrinha,
duquesa de Brunswick, que não tinha filhos. Ali, na mais sumptuosa e magnífica
corte do Norte da Alemanha, ela se acostumou a uma vida de lindas roupas,
pessoas sofisticadas, bailes, óperas, concertos, fogos de artifício, caçadas e
frequentes mexericos divertidos. Seu marido, Cristiano Augusto, oficial de
carreira vivendo com um magro soldo do Exército, não podia oferecer nada disso.
O melhor que pôde arrumar foi uma modesta casa de pedras cinzentas numa rua calçada,
constantemente varrida pelo vento e a chuva. A cidade fortificada de Stettin,
cercada por muralhas sobre o triste Mar do Norte e dominada pela rígida atmosfera
militar, não era um lugar onde a alegria, a graciosidade e quaisquer
refinamentos sociais pudessem florescer. As esposas na guarnição tinham uma
vida tediosa, e a vida das mulheres na cidade era ainda mais tediosa. E ali
exigia-se que a jovem animada, recém-chegada do luxo e dos divertimentos da
corte de Brunswick, vivesse com uma renda mínima, ao lado de um marido puritano
dedicado à vida militar, habituado a uma economia severa, equipado para
comandar, mas não para conversar, e ansioso pelo êxito da mulher no
empreendimento para o qual a desposara: dar-lhe um herdeiro. Nesse sentido, Joana
fez o melhor possível, era uma esposa obediente, ainda que infeliz. Mas sempre,
no fundo, ela ansiava por ser livre: livre do marido enfadonho, livre da
relativa penúria, livre do estreito mundo provinciano de Stettin. Sempre teve
certeza de que merecia algo melhor. E então, passados 18 meses do casamento,
ela teve um bebé. Aos 16 anos, Joana não estava preparada para as realidades da
maternidade. Havia lidado com a gravidez enovelando-se em sonhos de que os
filhos seriam extensões dela mesma, e a vida deles poderia abrir uma larga
avenida para ela percorrer realizando suas próprias ambições. Nesses sonhos,
tinha a certeza de que a criança no seu ventre, seu primogénito, seria um filho
herdeiro do pai e, principalmente, um menino bonito, extraordinário, cuja
brilhante carreira ela viria a orientar e finalmente compartilhar.
Às duas e meia de 21
de Abril de 1729, na fria madrugada cinzenta do Báltico, nasceu o bebé de
Joana. Ai, a criança era uma menina. Joana e o mais conformado Cristiano
Augusto conseguiram dar um nome à criança, Sofia Augusta Frederica, mas, desde
o começo, Joana não conseguiu sentir nem expressar qualquer sentimento
maternal. Não amamentou nem acariciou a filha. Não perdia tempo olhando-a no
berço, nem a pegava no colo. Em vez disso, entregou abruptamente a menina aos
cuidados de criados e amas de leite». In Robert K. Massie, Catarina a Grande,
Editora Rocco, 2012, ISBN 978-853-252-799-8.
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