VIII
Ali os dias passava
em mágoas, da alma
saídas,
dizer a quem longe
estava,
e chorava por
perdidas
as horas que não
chorava.
Em vale mui solitário
e
sombrio e saudoso,
send’o monte
temeroso,
pera o choro
necessário,
pera a vida mui
danoso,
IX
Dizer o que ele
sentia,
em que queira, não me
atrevo,
nem o chorar que
fazia;
mas as palavras que
escrevo
são as que ele dezia.
Ali sobre .a ribeira
de mui alta penedia,
donde a água d’alto
caía,
dizendo desta maneira
estava a noite e o
dia:
X
“Os tempos mudam
ventura
bem o sei, pelo
passar;
mas, por minha gram
tristura,
nenhuns puderam mudar
a minha desaventura.
Não mudam tempos nem
anos
ao triste a tristeza;
antes tenho por
certeza
que o longo uso dos
danos
se converte em
natureza.
XI
Coitado de mim,
cuitado,
pois meu mal não se
amansa
com choro nem com
cuidado!
Quem diz que o chorar
descansa
é de ter pouco
chorado;
que, quando as
lágrimas são
por igual da causa
delas,
virá descanso por
elas;
mas como descansar
hão,
pois que são mais as
querelas?
XII
Com tudo, olhos de
quem
não vive fazendo al,
chorai mais que os de
ninguém,
que o que é para
maior mal
tenho já para maior
bem.
Lágrimas, manso e
manso,
prossigam em seu
ofício:
que não façam
benefício:
não servindo de descanso,
servirão de sacrifício».
[…]
In Crisfal, Cristóvão Falcão, Coleção Textos Literários, Lisboa, 1962,
Cristóvão Falcão, Poesia, Alentejo, Cultura, JDACT,