O
passado é o presente na lembrança
«Se
recordo quem fui, outrem me vejo,
e
o passado é o presente na lembrança.
Quem
fui e alguém que amo
porém
somente em sonho.
E
a saudade que me aflige a mente
não
é de mim nem do passado visto,
senão
de quem habito
por
trás dos olhos cegos.
Nada,
senão o instante, me conhece.
minha
mesma lembrança é nada, e sinto
que
quem sou e quem fui
são
sonhos diferentes».
Cansa
sentir quando se pensa
Cansa
sentir quando se pensa.
No
ar da noite a madrugar
há
uma solidão imensa
que
tem por corpo o frio do ar.
Neste
momento insone e triste
em
que não sei quem hei de ser,
pesa-me
o informe real que existe
na
noite antes de amanhecer.
Tudo
isto me parece tudo.
E
é uma noite a ter um fim
um
negro astral silêncio surdo
e
não poder viver assim.
(Tudo
isto me parece tudo.
Mas
noite, frio, negror sem fim,
mundo
mudo, silêncio mudo
ah,
nada é isto, nada é assim!)»
Sempre
que penso uma coisa, traio-a
«Sempre
que penso uma coisa, traio-a.
Só
tendo-a diante de mim devo pensar nela.
Não
pensando, mas vendo,
não
com o pensamento, mas com os olhos.
Uma
coisa que é visível existe para se ver,
e
o que existe para os olhos não tem que existir
para
o pensamento;
só
existe verdadeiramente para o pensamento
e
não para os olhos.
Olho,
e as coisas existem.
Penso
e existo só eu».
Não
estou pensando em nada
Não
estou pensando em nada
e
essa coisa central, que é coisa nenhuma,
é-me
agradável como o ar da noite,
fresco
em contraste com o verão quente do dia,
não
estou pensando em nada, e que bom!
Pensar
em nada
É ter
a alma própria e inteira.
Pensar
em nada
é
viver intimamente
o
fluxo e o refluxo da vida...
Não
estou pensando em nada.
E
como se me tivesse encostado mal.
Uma
dor nas costas, ou num lado das costas,
há
um amargo de boca na minha alma:
é
que, no fim de contas,
não
estou pensando em nada,
mas
realmente em nada,
Em
nada...»
Poemas de Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e
Ricardo Reis)
JDACT