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Guerra e diplomacia
«(…) Essa primeira vitória foi de molde a animar os Portugueses, já que
a Espanha estava mergulhada na Guerra dos Trinta Anos e não poderia de momento
desviar mais tropas para a nossa fronteira. Tal circunstância permitiu apenas a
vigilância nos castelos da raia, enquanto se reorganizava o exército com o
material de guerra vindo de França para os aprestos da defesa. Assim decorreram
mais de dez anos, até que, na regência de dona Luísa Gusmão, a paz dos
Pirinéus, em 1659, permitiu o fim da longa guerra entre as duas coroas
pirenaicas. Foi então, como veremos adiante, que Filipe IV organizou vários
exércitos para tentar, sem êxito, pôr termo à Restauração.
No campo diplomático contou João IV com embaixadores e agentes de alta
craveira: uns de ascendência nobre, para impor no estrangeiro a valia dos seus
títulos; outros, que serviram de secretários, eram letrados e juristas oriundos
da Universidade de Coimbra; outros, enfim, religiosos de formação, mormente da
Companhia de Jesus, que revelaram dotes de bons negociadores. Alguns nomes
podem ser referidos: o padre Inácio Mascarenhas, que obteve na Catalunha um
tratado de aliança e auxílio em homens e em armas para o primeiro ano da Restauração;
o monteiro-mor, Francisco Melo, que conseguiu em França um tratado de amizade e
a vinda de oficiais e soldados; e Antão Almada, que alcançou em Londres reatar
a velha aliança para efeitos de defesa mútua.
Mas não foram menos notáveis outras missões diplomáticas. Na Holanda,
apesar da ocupação flamenga de uma parte do Brasil, conseguiu Tristão Mendonça
Furtado assinar uma trégua por dez anos e obter navios para a defesa marítima
de Portugal. Também com a Suécia e a Dinamarca conseguiu Francisco Sousa
Coutinho tratados de amizade e de comércio. Mais difíceis foram as negociações com
a Santa Sé, onde a influência política da Espanha se opôs, durante muitos anos,
aos direitos de João IV. As relações luso-romanas chegaram a conhecer períodos
de grande tensão, em virtude de o papado não querer reconhecer a causa da
Restauração, nem prover as sés vagas no Reino. Apenas em 1669, no pontificado
de Clemente IX, se modificou a atitude romana para com Portugal.
O Direito e a Restauração
O direito exerceu um contributo notável para a defesa da dinastia nova.
Impunha-se demonstrar que em 1580 a coroa devia, pelo benefício da
representação, ter pertencido a dona Catarina, duquesa de Bragança. Como
filha do infante Duarte, a ela cabia de justiça o trono de Manuel I, pelo
que a invasão de Filipe II violara os foros autênticos do Reino. A partir desta
base ilegal, o governo dos três Filipes podia ser considerado como ilegítimo e
não aceite pela consciência dos Portugueses. O 8º duque de Bragança
limitava-se, pois, a exercer o princípio jurídico que era pertença da mais
antiga casa senhorial do País. O papel dos jurisconsultos de 1640, como
Francisco Velasco Gouveia, João Pinto Ribeiro, António Pais Viegas e António Sousa
Macedo, defendia assim o argumento da restituição da coroa a João IV.
Outro grupo actuou por caminho diferente nessa política destinada a justificar
a Restauração. Baseava-se no princípio da alienação do poder, que permitia aos
povos expulsar os monarcas que haviam desrespeitado o pactum subiectionls
assinado com os súbditos. Nesta acepção, a soberania não era pertença dos reis,
que apenas a exerciam por obra de um pacto natural: detinham eles o poder in
actu, enquanto o povo o recebera in habitu. A doutrina fora
sustentada pelo jesuíta Francisco Suárez, o célebre Doctor Eximius, que
iluminara com a sua docência a Universidade de Coimbra. Assim sucedera com os
três reis estranhos, o que legitimava a acção do povo ao sagrar pela força do
direito natural a realeza de João IV.
Os nossos diplomatas tiveram de defender estes princípios nas várias
missões que os levaram ao estrangeiro. Contra a corrente espalhada pela
Espanha, de que o duque de Bragança cometera um acto de rebeldia e não passava
de um usurpador, foi preciso sustentar a razão de ser do movimento aclamatório,
como a vontade de um povo livre que, ao longo de sessenta anos, jamais perdera
o sentimento da autonomia. Tal facto permite também compreender por que motivo
os secretários das embaixadas foram sempre juristas consagrados, na missão que
lhes cabia de provar nas cortes europeias a força do direito que animara a
Restauração». In Joaquim Veríssimo Serrão, O Tempo dos Filipes em Portugal e no
Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos Históricos, Lisboa, 1994, ISBN
972-8047-58-4.
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