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Coimbra, Julho de 1117
«(…) Naquela manhã, Elvira Peres Trava
sentia-se orgulhosa das duas filhas. Dentro de uns anos, seriam cobiçadas pelos
ricos-homens do Norte e do Sul do rio Minho, desejosos de com elas casarem, o que
a confortava, embora não dissipasse as suas apreensões. As terras do marido,
Gomes Nunes Pombeiro, senhor de Toronho, estavam entaladas entre a Galiza, de
onde ela provinha, e o Condado Portucalense, onde o esposo nascera, e eram objecto
de permanente disputa entre Urraca, rainha de Leão, Castela e Galiza, e sua irmã
Teresa, regente do Condado.
Ao longo das últimas décadas,
Toronho tinha prestado vassalagem umas vezes ao Norte e outras ao Sul, mas no
presente Gomes Nunes Pombeiro não hesitava em proclamar que só o faria a dona Teresa,
e não à desvairada Urraca, que de rainha só tinha o título. Todavia, Elvira
Peres Trava sabia que esta última não aceitava a pretensão da irmã de ser rainha
da Galiza, nem lhe queria ceder os territórios a que considerava ter direito.
Por isso se juntara ao arcebispo Gelmires, numa aliança pouco natural entre
antigos inimigos, destinada a submeter dona Teresa e a impor Compostela como
centro da cristandade da Penírrsua, em vez de Braga, como era desejo dos
portucalenses.
No epicentro desta confusão,
ficava Toronho, cuja principal cidade era Tui. Para Elvira e Gomes Nunes, manter
o território era imperativo, mas a tempestade que os cercava era gigantesca. É
certo que, sendo Elvira uma Trava, podia apoiar-se na família mais poderosa da
Galiza; e, sendo seu irmão Fernão o actual amante de dona Teresa, podia sempre
interceder por Toronho. Porém, Gomes Nunes era um portucalense, e Urraca e
Gelmires consideravam-no um inimigo.
Elvira suspirou, olhando para as
suas duas belas meninas. Desejava que elas crescessem mais depressa, e imaginou-as
a casarem com alguém importante, como Paio Soares, senhor da Maia, ou com um
dos irmãos Moniz, de Ribadouro. Eram muito mais velhos do que as filhas, mas a
diferença de idades seria um pormenor irrelevante, comparado com a preservação
de Toronho. Mãe, mãe! gritou Chamoa Gomes. Estou linda? A rapariga colhera duas
rosas brancas e colocara-as na cabeça. Muitas vezes, Chamoa usava carrapito ou
rabo-de-cavalo, mas naquele dia deixara os cabelos soltos e as rosas assentavam-lhe
maravilhosamente.
Cuidado, ainda vos picam!, avisou
a irmã, Maria Gomes. Chamoa ignorou-a. Olhou para e mãe, a sorrir, e deu uma
volta sobre si própria, o que fez esvoaçar a dalmática cor-de-rosa. Ficais
muito bonita, mas agora está na hora de irmos, o vosso pai deve querer jantar,
disse Elvira. Chamoa não pareceu ouvi-la e, sempre a sorrir, exclamou: é assim
que me quero casar, com rosas brancas na cabeça!
A mãe aprovou, ficaria decerto
formosa, à porta de uma igreja. Porém, logo se surpreendeu, quando a filha
declarou: vou casar-me com um príncipe! Maria Gomes fez uma careta e duvidou:
na Galiza só há um príncipe, o Afonso Raimundes, e esse vai casar-se com a
Teresa de Celanova! Ainda mais espantada com as palavras da filha mais velha do
que com o desejo romântico da mais nova, Elvira franziu a testa. Onde haveis
ouvido tal coisa? Maria ficou atrapalhada, enquanto a mãe garantia que Afonso Raimundes
certamente escolheria para esposa uma princesa de outro reino, talvez até de
fora da Hispânia, como era próprio de um futuro rei. Sem desanimar com a profecia
materna, Chamoa exclamou: então arranjo outro! Juro que vou casar-me com um
príncipe!
Elvira
encolheu os ombros e dirigiu-as para a carroça, onde dois servos as esperavam.
Deixara um borrego a assar, que já devia estar pronto, e o marido era cioso com
as horas dos repastos. Meteram-se ao caminho, mas no cruzamento com a estrada
de Compostela Elvira aterrorizou-se. À espera delas aguardava um destacamento de
cavaleiros e, examinando os estandartes, a senhora de Toronho concluiu que eram
tropas do arcebispo Gelmires». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por
Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
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