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Cenas
de um casamento imperial
«(…)
Não saberemos jamais em que pensava Isabel de Portugal. Mas, inevitavelmente,
ter-se-á questionado se conseguiria estar à altura das elevadíssimas funções e que
se erguera por casamento, e, naturalmente, se iria agradar ao marido ou se este
já teria outro afecto a ocupar-lhe o coração, o que não seria de forma alguma inédito.
De ciúmes, bem fundados, padecerá sua avó, a grande Isabel, a Católica, sempre a
braços com as constantes infidelidades do muito amado Fernando de Aragão, esse mulherengo
sem freio que semeou por Castela e Aragão vários filhos naturais. As crónicas
falam do amor entre os esposos, mas não omitem os ataques de cólera que a poderosa
rainha, tão dona dos seus actos, não conseguia controlar quando descobria as infidelidades
do marido, que, apesar de amar muito a rainha sua mulher, dava-se a outras mulheres.
E a Católica, porque amava muito o rei seu marido, era ciumenta em extremo, como
o cronista Hernando del Pulgar não se isenta de referir.
De ferozes ciúmes padecera igualmente
a sua tia e sogra, a rainha dona Joana, a Louca, cativa de Tordesilhas,
quando na sumptuosa e cosmopolita corte da Borgonha, de tão livres costumes, via
o volúvel Filipe, conde da Flandres e arquiduque da Áustria, borboletear de
dama em dama. Incapaz de se refrear, Joana respondia às constantes infidelidades
do marido com incontroláveis ataques de fúria. É célebre o episódio em que, com
o coração cheio de raiva, o rosto vomitando chamas e rangendo os dentes, a condessa
da Flandres atacou violentamente uma altiva dama da sua corte com quem Filipe, o
Belo, andava de amores. De tesoura em punho, Joana cortou o lindo cabelo louro que
tanto agradava a Filipe, e às punhadas desfigurou o rosto da rival. Enfurecido com
o seu comportamento, o arquiduque insultou e espancou publicamente a mulher, passando
depois a ignorá-la, para seu enorme desgosto.
De ciúmes, por infidelidades publicamente
comprovadas, sofrera também a sua tia portuguesa, a Rainha Velha, a dona Leonor
das Misericórdias, patrona das artes e do teatro português. Mas essa, sublimando
as paixões e transcendendo a humilhação, acabara até por criar no paço o franzino
dom Jorge que João II fizera em Ana Mendonça. Depois da morte tão inesperada e tão
trágica do príncipe herdeiro João, quisera ainda o rei alçar ao trono o
bastardo real. Tanto não conseguiu sofrer a rainha, que se opôs a esse plano
com todo o seu vigor. Por fim, vencera dona Leonor, a corte e os conselheiros, que,
de forma geral, não subscreviam este projecto do rei, e vencera dom Manuel, que
chegara ao trono por tão acidentados caminhos. Ou, como diz Damião Góis, Deus permitira
que viesse a herança destes reinos ir este felicíssimo rei, por falecimento de oito
pessoas que legitimamente o herdavam, se viveram». In Manuela Gonzaga, Imperatriz Isabel
de Portugal, 2012, Bertrand Editora, 2013, ISBN 978-972-252-416-2.
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