jdact
Setúbal,
18 de Setembro de 1470
«(…) O infante Fernando olhou
para o Rei e fez um sorriso triste de quem sabe que nunca irá conhecer os netos
e que o seu caminho termina aí. Suspirou, deitou-se e ali se conservou imóvel
durante algumas horas. O Rei permaneceu sentado no seu leito, mas Fernando não
voltaria a despertar. Quando morreu, deixou vivos três filhos varões, uma vez
que Duarte, Dinis, Simão e Catarina não tinham sobrevivido, e duas bonitas
filhas já prometidas em casamento.
Dona Beatriz acabara de ficar
viúva e fazia-se acompanhar por Afonso, um padre amigo da família, que se
encontrava no Paço de Setúbal, na sala grande e falava baixinho com a duquesa. Senhora
duquesa, temos de tratar das cerimónias fúnebres do senhor duque. Meu bom
Afonso, o meu marido mandou construir o Convento de Nossa Senhora da Conceição
para albergar os restos fúnebres da família, porque é nossa vontade
permanecermos todos juntos quando partirmos. Contudo, ainda não é possível
transladar o seu corpo para Beja.
Se me permitirdes, senhora duquesa,
penso que seria prudente sepultar, provisoriamente, o senhor duque aqui perto
de Setúbal, no Convento de São Francisco. Sim, dom Afonso, julgo que será a
solução mais conveniente. Podereis encarregar-vos dos preparativos? Certamente,
senhora duquesa. Irei proceder a todas as diligências necessárias. Não vos
deveis preocupar com nada, Senhora. Obrigada, meu bom amigo. Senhora duquesa,
tendes de ter muita coragem para enfrentar este novo desafio que Deus vos deu.
Mas Ele dar-vos-á força para vencer todas estas provações. Afonso, conheceis-me
desde a minha infância e sabeis que não sou mulher para baixar os braços. Tenho
filhos para criar e um vasto património para gerir e é isso mesmo que vou fazer
de agora em diante. Sei que sois uma mulher forte, determinada e de convicções inabaláveis.
Mas, Senhora, estais certamente fragilizada por mais este desgosto, não
devereis abusar. Não irei abusar. Mas não posso ficar eternamente aqui sentada
a chorar a morte de meu marido. Tenho de me preocupar e dirigir os bens, os
cargos e os títulos dos meus filhos. Do que estais a falar, Senhora duquesa? Ireis
ver nos próximos meses o que pretendo fazer.
O poderio da casa de Viseu ficou
nas mãos de nossa mãe que durante muitos anos a administrou de uma forma admirável.
Minha mãe foi tutora de João, nos dois anos seguintes, e depois de Diogo até
este completar os vinte anos de idade. Foi a única mulher, por nomeação do papa,
que desempenhou o cargo de Governadora da Ordem de Cristo. Também anos mais
tarde, já como tutora de Diogo, veio a gerir a Ordem de Santiago. Após a morte
de meu pai, minha mãe, contrariando um pouco a política expansionista decretada
pelo Rei que pretendia conquistar a cidade de Fez, no norte de Africa, herdou
do infante Henrique o gosto pela aventura e enviou caravelas em direcção ao
Ocidente. Nunca mulher alguma no reino fora tao destemida. Nunca mulher alguma
do reino fora tao empreendedora e zelosa da administração dos seus bens e
possessões.
Convento
de Dueñas, Valladolid, 2 de Outubro de 1470
Foi na cidade de Dueñas, Valladolid,
que nasceu Isabel de Trastámara, a filha primogénita dos Reis Católicos. Estou
afalar nela porque os nossos caminhos se cruzaram por mais de uma vez. Esta
infanta viria a casar, anos mais tarde, com meu filho, o príncipe Afonso,
herdeiro do trono de Portugal, e, depois da morte deste, com meu irmão, Manuel
I, que foi Rei de Portugal. À semelhança de qualquer outra princesa com sangue
real, o seu destino era o de servir os interesses políticos de seus pais. Isabel
de Castela e Fernando de Aragão tentaram colocar os seus filhos nas mais
importantes monarquias europeias associando-se ao Sacro Império Romano, a Luís
XI de França ou a Henrique VIII de Inglaterra.
Mas também a história de Isabel,
esta infanta de Castela e Aragão, está intimamente ligada à minha e da minha
família. Mas não quero antecipar-me nos factos, apenas pretendo referir que Isabel
foi uma mulher muito amada tanto pelo meu filho como posteriormente pelo meu
irmão. Também sei que amava perdidamente Afonso, seu primeiro marido, e casou
contrariada pela segunda vez com meu irmão, Manuel. Este casamento seria
realizado não só por imposição de seus pais, os Reis Católicos, dado que lhes
servia politicamente, como também porque Manuel não aceitava um não como
resposta a um desejo que alimentava desde a sua juventude. Logo após a sua
subida ao trono, reclamou a mão de Isabel. Para ele aquele casamento tornou-se
não só uma prioridade, como também uma obsessão. Mas destes factos dar-vos-ei
conhecimento mais tarde. Agora irei falar-vos do meu próprio casamento». In
Paula Veiga, A Rainha Perfeitíssima, 2017, Edições Saída de Emergência,
2016/2017, ISBN 978-989-773-014-6.
Cortesia de ESdeEmergência/JDACT