Cortesia
de wikipedia e jdact
As
Lágrimas do Papa
O Duplo Assassinato
«(…) A porta foi aberta. O médico
saiu do quarto. Segurava uma bacia cheia de muco real. Por pouco ele não a
derrubou, tal a ênfase dos cavaleiros em pressioná-lo com perguntas. Como está
Filipe nesta manhã, mestre Othon? Com os diabos, como? O médico sorriu e
respondeu com voz reconfortante: melhor! Está recuperando o aspecto humano e,
em breve, o filho Luís não terá medo de visitá-lo. A companhia do cavaleiro Renaud
parece contribuir para o restabelecimento. Mestre Othon saiu, deixando os dois
cavaleiros sozinhos com a sua contrariedade. Então, eles, os amigos mais fiéis,
estavam proibidos de entrar no quarto, enquanto o cruz vermelha passava
ali a maior parte do tempo! De facto, nos aposentos de Filipe, Renaud
desempenhava humildemente o papel de criado, trocando a roupa íntima do rei,
ajudando-o a lavar-se e a comer, arejando o aposento, lendo para ele, tomando o
cuidado de atiçar constantemente o fogo da enorme lareira por causa da humidade
do Inverno...
Os clérigos estão progredindo na
tradução, Renaud? O templário sorriu; já esperava que Filipe lhe fizesse essa
pergunta. Eles mal dormem, tão dedicados estão ao trabalho, respondeu, dizendo
a si mesmo que o rei já não sentia o medo supersticioso de abordar o assunto. Bom...
Estou impaciente para ler esses textos. Se financiou uma parte da cruzada é
porque eles são de grande interesse, não?, disse o monarca sentando-se na cama,
procurando apoiar as costas nas volumosas almofadas. Realmente. Seria um perigo
se, por azar, o rei Ricardo pusesse as mãos neles. Você ainda não me falou de
dinheiro, cavaleiro... A Coroa lhe deve uma grande soma. Estou em dívida com
você, murmurou Filipe, depois de encontrar a posição certa nos travesseiros.
Os Templários não são usurários.
Sabemos esperar para recuperar nossos fundos. Isso significa que o investimento
trará frutos que não o dinheiro sonante. Gostaria de ler dentro de si,
Renaud..., de adivinhar por que razão age assim. Digamos que seja pelo bem do
reino, Sire.
No mês seguinte, depois de duas
longas semanas de neve, cinco cavaleiros cavalgavam em boa velocidade numa
estrada parcialmente oculta, delimitada por duas fileiras de choupos. Eles se
dirigiam a uma pequena abadia aconchegada numa bruma espessa. O sino da pequena
capela soou as 19 horas. Os cavaleiros apearam, quase que num mesmo movimento.
O vento levantou a aba do capuz de um dos homens; era o templário Renaud. Ele
bateu na porta conforme o código combinado. Os outros quatro se mantiveram
afastados e um deles prendeu as rédeas dos cavalos em argolas fixadas na
parede. A porta foi aberta por um velho abade que havia passado um xaile em
volta dos ombros. Corcunda, todo torto, o homenzinho ergueu uma lamparina a óleo
para distinguir o rosto de Renaud. Ah..., reconheci o código, senhores. Entrem
rápido; este frio é cortante e gela até o tutano dos ossos.
Os cinco cavaleiros entraram na
abadia. Um deambulatório na frente deles ligava três modestas construções: o
presbitério, a biblioteca e a capela. Renaud dirigiu-se ao velho, tirando a
lamparina das mãos dele: pode nos deixar, abade. Volte às suas orações. Sinceramente,
já está na hora de dormir numa boa cama aquecida. Não tenho a têmpera dos
jovens e devotados Agnano e Nicolau! O corcunda se retirou e os cinco cavaleiros
seguiram apressados pelo deambulatório até à biblioteca. Uma luz filtrava pelos
batentes das estreitas janelas. Vou entrar sozinho, disse Renaud, entregando a
lamparina a um dos companheiros. Esperem-me aqui e fiquem preparados. O templário
empurrou a porta de madeira e entrou numa sala pequena que um braseiro não
conseguia aquecer o suficiente. Dois homens, sentados às suas mesas, viraram a
cabeça ao mesmo tempo: magros passarinhos, de pescoço descarnado, olhos
redondos e febris, idade indefinida e tonsuras malfeitas. Eram Nicolau e Agnano
Pádua. Usavam hábitos de pano grosso marrom, cordão amarrado na cintura, xaile
nos ombros e mitenes de lã nas mãos». In Didier
Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil,
2012, ISBN 978-852-861-550-0.
Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT