Cortesia
de wikipedia e jdact
O
Convento do Carmo em Lisboa e os começos da Arquitectura dos Carmelitas
«O
Convento do Carmo de Lisboa, situado, paradoxalmente, no que se costuma
designar como a Baixa, na linguagem comum dos lisboetas, constitui pela sua
localização actual, pelo volume arquitectónico que ainda hoje se destaca no
casario, e pelo seu estado de ruína, uma das edificações de origem medieval
mais impressionantes e carismáticas da cidade de Lisboa. Para essa valorização
contribui, certamente, o facto da igreja conventual se apresentar como um dos
raros vestígios de construções medievais na capital, e a sua ligação à figura
de Nuno Álvares Pereira.
A
primitiva edificação encontra-se, há muito, bastante transformada e em grande
parte arruinada pelo terramoto que em 1755 devastou a cidade, com uma
destruição prolongada pelos incêndios que se seguiram. O que chegou até aos
nossos dias merece, no entanto, uma análise cuidada, permitindo reflectir sobre
as origens da arquitectura construída para a Ordem do Carmo, em território
português. A importância dos vestígios arquitectónicos medievais da igreja
conventual assume também especial relevo na medida em que o primeiro convento
dos carmelitas, erigido em Moura (e a exigir um amplo estudo arquitectónico e
especiais cuidados na sua reabilitação), sofreu alterações profundas a partir
do século XVI, levando à ocultação e ao desaparecimento das primitivas construções
conventuais.
Em
Lisboa, o Convento do Carmo foi edificado numa colina, longe da velha Alcáçova,
de origem islâmica, e onde permanecia, numa continuidade dos centros de poder,
o Paço Real. Desta forma, o convento localizava-se no exterior, em relação ao
poder, simbolizado pelo castelo e pelas estruturas palatinas, residência do rei
João I. A constatação desta diferença de ordem espacial, na organização do
espaço urbano medieval, tem conduzido à valorização desta escolha realizada por
Nuno Álvares Pereira, segundo as crónicas monásticas. Esta escolha tem sido
interpretada como um sinal da independência, senão mesmo de afronta do
Condestável em relação ao monarca João I
Os
problemas anteriormente anunciados, respeitantes à interpretação da escolha do
local, como expressão das tensões e rivalidades entre Nuno Álvares Pereira e
João I, associadas ao conhecimento das origens da própria Ordem, não nos devem
fazer esquecer a relação com a arquitectura sua contemporânea, nomeadamente a
arquitectura das Ordens Mendicantes, em relação à qual deve ser pensada. A
interpretação geral da arquitectura do Convento dos carmelitas de Lisboa tem-se
baseado nas comparações com a Batalha, o denominado Mosteiro de Santa Maria da
Vitória, da Ordem dos Dominicanos. Podemos considerar esta via interpretativa,
comparando uma construção patrocinada por João I com uma edificação patrocinada
pelo Condestável Nuno Álvares Pereira, paralela à análise quanto à localização
do convento: em ambos os casos, a relação entre o rei e o condestável parecem
decidir dos destinos da realidade material da casa dos carmelitas. A relação
entre ambos encontra igualmente expressão, tendendo a corroborar essas
interpretações, nas invocações escolhidas para cada uma das casas conventuais:
Nossa Senhora da Vitória e Nossa Senhora do Carmo, e posteriormente do
Vencimento do Carmo, ambas com o mesmo significado de vitória em acontecimentos
militares.
Estas
similitudes entre uma casa fundada por um nobre e uma fundação real, já foram
vistas como um sinal da ambição desmedida de Nuno Álvares Pereira, como
escreveu António José Saraiva, para quem, inclusive, a edificação da casa dos
carmelitas procuraria rivalizar não só com o Mosteiro da Batalha, então em
construção, como também com o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, uma das
maiores construções monásticas existentes em Portugal1. A possibilidade de
comparação com a grande igreja dos cistercienses seria naturalmente importante,
pela antiguidade desta casa monástica, pelas dimensões da sua igreja, com mais
de 100 metros mas, igualmente, pelo prestígio que lhe advinha de ser o último
panteão régio.
Na
realidade, não possuímos nenhum testemunho da época que permita afirmar como
intenção primeira do Condestável, ou sequer como um seu propósito, colocar a
edificação que patrocinava ao lado das duas maiores igrejas então existentes no
Reino. O propósito de construir uma casa religiosa que se impunha pela sua
escala não parece deixar dúvidas, como, ainda hoje, a visão do convento pelo
lado do Rossio deixa entender. Mas esta conduta não se diferenciaria,
verdadeiramente, do comportamento da maioria dos grandes senhores, interessados
em patrocinar a construção de uma nova casa religiosa, ou em oferecer um
objecto litúrgico precioso, de molde a prestigiarem-se pela magnanimidade, e a
propiciarem para si a salvação da alma. Para qualquer destes aspectos a escala
construtiva, ou o valor material e simbólico dos objectos, não era secundário.
Daí o facto da igreja dos carmelitas de Lisboa ser, a par das igrejas de Santa
Clara de Santarém e de Santa Maria da Vitória, uma das das igrejas das Ordens
mendicantes que tinha mais de 70 metros. Estas 3 igrejas possuem em comum o
patrocínio da construção ficar a dever-se a personalidades laicas, com poder
económico e político, qualidades também presentes no rei Afonso III, o grande
apoiante da criação do Convento de Santa Clara de Santarém. Compreende-se que a
historiografia dê particular ênfase ao Rei ou ao Condestável, pela sua
qualidade de patrocinadores de obras medievais, e como tal com particular
importância na orientação do que poderemos chamar o programa arquitectónico». In Francisco
Teixeira, O Convento do Carmo em Lisboa e os começos da Arquitectura Carmelita,
Convento de Nossa Senhora dos Remédios, Actas do Ciclo de Conferências sobre
Convento de N Senhora dos Remédios e a Ordem do Carmo em Portugal e no Brasil, Universidade
do Algarve, Évora, 2013, ISBN 978-972-850-948-4.
Cortesia
de UAlgarve/JDACT