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«(…) Sem dizer mais nenhuma
palavra, ela olhou fixamente para o jardim, sentindo um perfume de visco e
lírios, a poeira no ar. Estou deixando a minha casa, pensou. Talvez para
sempre. Meu irmão e minha irmã, a casa onde cresci, o jardim onde brincávamos.
O jardim onde, pela primeira vez, encontrei o meu Senhor. Nosso jardim reservado.
Ela fez uma pausa, perdida nas lembranças. Levando Miriam pela mão, Yosef
caminhou lentamente até ao portão da casa. A areia fria da pequena passagem
pressionava os pés, pois as sandálias abertas não eram capazes de protegê-las.
Ele ajudou a viúva do amigo a montar no jumento e desamarrou-o. Andando devagar,
o cajado na mão, ele conduziu o animal, levando-o para longe da vila. De vez em
quando, olhava para Miriam. Ela parecia mergulhada no seu mundo interior e não
percebia mais a presença do homem que a acompanhava. Ele seguia ao lado dela em
silenciosa comunhão, conduzindo-a pela estrada sinuosa distante da casa onde
ela vivera a infância, afastando-se de Betânia e do Monte das Oliveiras,
mergulhando no deserto, no caminho iluminado pela luz da lua. Ela podia sentir
o cheiro e o gosto da areia que, transportada pelo vento do deserto, se lançava
contra o seu corpo. Os lábios entreabertos, os olhos queimando. Miriam mantinha-os
quase fechados para protegê-los do sol ardente e da areia que esfolava. Enrolou-se
mais no manto, formando um casulo de lã branca que a protegia da hostilidade da
natureza. Yosef caminhava ao seu lado em silêncio, perdido nos seus próprios
pensamentos. De vez em quando, ele procurava saber se ela estava muito cansada,
incomodada com a aridez que os envolvia, zelava pelo seu conforto, embora
ciente de que precisavam seguir em frente e sem demora.
Sentada no jumento, Miriam
balançava suavemente de um lado para o outro, e os pensamentos tornavam-se
difusos, como acontecera tantas vezes nos últimos dias. Os devaneios não se
deixavam perturbar por distracções exteriores, uma vez que a paisagem era sempre
igual. Lembrou-se de quando conheceu Yoshua. Ela estava sozinha no banco do
jardim da sua casa, em Betânia. O seu irmão Lázaro levou Yoshua até ao jardim,
e os dois caminharam um pouco na sombra fria, falando em voz baixa, sem
perceberem a presença dela. Miriam já ouvira falar daquele homem, quem não
ouvira? Ele era aclamado por toda a Judeia. Ela sabia o quanto seu irmão o
admirava. Agora, vendo-o de perto, também se sentiu atraída. Era um homem mais
alto do que a média, de feições magras e alongadas e lindas mãos. O cabelo e a barba
estavam cuidadosamente aparados, os olhos eram escuros e intensos. Mas a característica
que mais a impressionava era a segurança tranquila, um ar de autoridade e integridade
que lhe realçava a estatura.
Então, Lázaro descobriu-a,
silenciosa, sob a amendoeira. Ele aproximou-se com Yoshua e disse-lhe o nome da
irmã. Mas não foi preciso apresentá-los: quando se olharam pela primeira vez,
ela percebeu que ele já a conhecia. Ele sorriu: Shalom. A paz esteja convosco,
ela respondeu àquele cumprimento ancestral. O olhar que ele lhe lançou fez
sentir-se linda. Podia perceber isso nos olhos dele. E, naquele instante,
Miriam soube que amaria para sempre Yoshua, o amigo de seu irmão. Confusa, ela
desviou o olhar para o chão e corou, deixando as longas tranças negras cobrirem
o seu rosto. Vou pedir à Marta que prepare uma bebida para refrescá-los,
murmurou ela. E saiu correndo do jardim, quase tropeçando de tanta pressa. Vários
meses depois, eles se casaram. Um sorriso veio aos seus lábios quando se lembrou
de como ficara surpresa ao ouvir de Lázaro que ele havia aceitado o forasteiro
da Galileia como cunhado. Herdeira das terras que faziam fronteira com
Jerusalém, ela seria a mulher de Yoshua de Nazaré, descendente do rei David.
O casamento teve importância
dinástica, unindo as famílias de dois grandes amigos: David, filho de Jessé, e
Jónatas, filho de Saul. A história da amizade entre os dois era contada havia
vários séculos nas casas dos judeus. Como Lázaro explicara à irmã, o casamento
dela com Yoshua também envolvia questões políticas. Mas era, acima de tudo, a
realização de uma profecia. Lázaro e seus amigos zelotes membros da seita e do
partido político judaico Zelote, uma facção fundamentalista, estavam convictos
de que os tetrarcas herodianos que colaboraram com os romanos haviam usurpado o
trono de David. Estavam convencidos, ainda, de que Deus enviaria um Messias
davídico que libertaria a nação da tirania de Roma, dando início à era de paz e
prosperidade prometida pelos profetas. O forasteiro da Galileia tinha a genealogia
correcta. E não era, também, um fazedor de milagres e prodígios, curando
doentes e exorcizando demónios? Ele era, claramente, uma escolha de Deus.
Agora, deveria optar por uma noiva na tribo de Benjamim, pois estava escrito no
primeiro livro da Tora que o cálice de prata encontrava-se escondido na saca de
Benjamim. De acordo com os seus inspiradores mestres, isso queria dizer que uma
mulher da tribo de Benjamim seria o instrumento para a reconciliação e o
restabelecimento de Israel. Nada disso tinha importância para Miriam. Os mais
velhos podiam apresentar os motivos que quisessem para a decisão que tomaram.
Mas não eram capazes de ouvir o sangue cantarolando nas suas veias, não tinham
como escutar a música silenciosa do seu coração: não faz diferença por que ele
me escolheu, o importante é que fui a escolhida!» In Margaret Starbird,
Maria Madalena e o Santo Graal, Mulher do Vaso de Alabastro, Quetzal Editores,
colecção Referências, ISBN 978-972-564-624-3.
Cortesia
deSextante/QuetzalE/JDACT