«No dia do seu casamento, Isabel Juliana teve um ataque de pânico à beira da cerimónia. Estava há largos minutos pronta, no seu soberbo vestido de noiva em tule, com as rendas, os bordados, a saia volumosa e uma extensa cauda. Levava o exuberante cabelo castanho muito bem penteado e apanhado com ganchinhos escondidos. E usava um véu a cobrir-lhe a cabeça. Passara a última hora a chorar no quarto de vestir, rodeada pelas duas criadas, Engrácia Joaquina e Maria Joaquina, enquanto a costureira dava os derradeiros retoques no seu lindo vestido branco, com a ajuda de uma jovem tímida e assustadiça que tremia a cada ordem seca da mulher. Já para a noiva, a costureira era só delicadezas e, como atribuiu as lágrimas aos nervos, foi apaziguando-a, dizendo que ia correr tudo pelo melhor. Pois bem, não ía!
Isabel Juliana revelava-se determinada
e senhora de uma coragem notável, de tal modo que às vezes fazia esquecer que não
passava de uma menina de 14 anos. Era o dia 11 de Abril, a Primavera ainda
agora chegara e ela só faria quinze em Dezembro. Estava-se em 1768. Sebastião
José de Carvalho Melo, conde de Oeiras e omnipotente ministro do senhor dom José,
punha e dispunha do reino e dos vassalos de Sua Majestade com uma amplitude muito
lata. Extremamente lata, na verdade. E era a este homem, todo-poderoso e que ninguém
ousava contrariar, que Isabel Juliana Sousa Coutinho Paim, uma criança magrinha
de olhos escuros, fazia frente. Ela mantinha-se de pé, sem se mexer, em cima de
um pequeno estrado, um quadrado de madeira da altura de um degrau, que facilitava
o trabalho à costureira enquanto esta andava à roda dela com linhas, agulhas e alfinetes.
Justamente, pensou Isabel Juliana,
muito direita, olhando a parede com a vista turva de tanto chorar, o que lhe interessava
se o vestido ficava perfeito? De resto, parecia-lhe que ficara pronto há bastante
tempo e que a mulher jâ nada tinha a fazer, senão fingir melhoramentos para agradar
a menina. Saiam todas, ordenou, de súbito, Isabel Juliana. A costureira
interrompeu o que fazia, ergueu os olhos por cima dos óculos, e protestou: Não posso
sair agora, dona Isabel Juliana. Temos de acabar isto o quanto antes. Está terminado.
Saiam todas, já. Preciso de ficar sozinha. A costureira consternada, a sua ajudante,
as duas criadas, saíram. Isabel Juliana ficou, como se hipnotizada, a olhar a porta
que se fechou. Mas logo um medo terrível tomou conta dela. O coração acelerou e
toda ela tremia e transpirava. Teve até dificuldade em respirar. Por instantes,
acreditou que morria. Antes morresse..., pensou». In Tiago Rebelo, A História do
Bichinho-de-Conta, Edições ASA II, 2022, ISBN 978-989-235-394-4.