Cortesia
de wikipedia e jdact
Ficheiro:
Abu
«(…) Quem tenta penetrar no Rosal
dos Filósofos sem possuir a chave, lembra o homem que procura caminhar sem pés.
(Michael Maier, Atalanta Fugiens, Oppenheim, De Bry, 1618, emblema XXVII) A
descoberto, só havia isto. O resto tinha de procurar nos disquetes do word
processor. Estavam dispostos em ordem numérica e pensei que tanto fazia começar
pelo primeiro, já que Belbo havia mencionado a senha. Sempre fora cioso dos
segredos de Abu. Com efeito, mal premi a máquina, apareceu uma mensagem que me
solicitava: tens a senha? Fórmula não imperativa, Belbo era uma pessoa educada.
A máquina não colabora, sabe que deve receber a palavra, não a recebe,
fecha-se. Como se acaso me dissesse: ouve lá, tudo o que queres saber eu trago
aqui na minha pança, mas cava cava, velha toupeira, jamais o encontrarás.
Vire-se, disse para mim, gostavas tanto de jogar permutações com Diotallevi,
eras o Sam Spade da editora, como disse Jacopo Belbo, trata de encontrar o
falcão.
A senha de Abulafia podia ser de
sete letras. Quantas permutações de sete letras se poderiam fazer com as vinte
e cinco letras do alfabeto, calculando ainda as repetições, pois nada impedia
que a palavra fosse cadabra? Existe a fórmula em alguma parte, e o resultado deve
dar seis bilhões e pouco. Se tivesse um computador gigante, capaz de encontrar
seis bilhões de permutações a um milhão por segundo, teria mesmo assim de
comunicar uma por uma a Abulafia, para experimentá-las, e sabia que ele
precisava de cerca de dez segundos para perguntar e em seguida checar a
password. Logo, sessenta bilhões de segundos. Visto que num ano há pouco mais
de trinta e um milhões, digamos trinta para arredondar, o tempo de trabalho
seria algo como dois mil anos. Nada mau. Era necessário proceder por
conjecturas. Em que palavra poderia ter pensado Belbo? Antes de mais nada,
seria uma palavra que tivesse encontrado ao princípio, quando começou a usar a máquina,
ou que havia descoberto, e mudado, nos últimos dias, ao se dar conta de que as disquetes
continham material explosivo e o jogo, pelo menos para ele, já não era mais um jogo?
Seria aliás muito diverso. Melhor optar pela segunda hipótese. Belbo sente-se
perseguido pelo Plano, leva o Plano a sério (porquanto assim me havia deixado
perceber pelo telefone), e pensa então em algum termo que tem relação com a nossa
história.
Ou talvez não: um termo ligado à
Tradição podia da mesma forma ocorrer à mente d’Eles. Por um momento pensei que
talvez Eles tivessem entrado no apartamento, copiado as disquetes, e naquele
instante mesmo estariam provando todas as combinações possíveis em algum sítio
remoto. O calculador máximo num castelo dos Cárpatos. Que tolice, admiti
comigo, aquilo não era gente de calculador, antes teriam procedido com o
Notarikon, a Gematria, a Temurah, tratando as disquetes como se fosse a Torah.
E teriam gasto tanto tempo nisto quanto gastaram na redação do Sefer Ietzirah.
Contudo, a conjectura não era de desprezar. Se Eles existissem, certamente
haveriam de seguir uma inspiração cabalística, e se Belbo estava convencido de
que, de facto existiam, possivelmente teria seguido a mesma via. Por desencargo
de consciência, tentei com as dez sefirot: Keter, Hokmah, Binah, Hesed, Geburah,
Tiferet, Nezah, Hod, Jesod, Malkut, e ainda introduzi a Shekinah de lambujem...
Não funcionava, é claro, era a primeira ideia que poderia ocorrer à mente de
qualquer um.
Contudo, a palavra devia ser
qualquer coisa de óbvio, que vem à mente por força das circunstâncias, pois
quando trabalhas num texto, de maneira obsessiva, como devia ter trabalhado
Belbo nos últimos dias, não te podes esquivar do universo do discurso em que vives.
Seria desumano pensar que ele tivesse enlouquecido por causa do Plano e que lhe
viesse à mente apenas, sei lá, Lincoln ou Mombasa. Deveria ser algo relacionado
com o Plano. Mas o quê? Busquei identificar-me com os processos mentais de
Belbo, que havia escrito fumando compulsivamente, bebendo e olhando à sua
volta. Fui à cozinha e despejei o último gole de uísque no último copo limpo
que encontrei, voltei para a consola, as costas contra o espaldar, as pernas
sobre a mesa, bebendo a curtos goles (não era assim que fazia Sam Spade, ou talvez
fosse o Marlowe?) e girando o olhar em torno. Os livros estavam distantes
demais e não lhes podia ler os títulos nas lombadas.
Tomei a última gota de uísque,
fechei os olhos, reabri-os. Diante de mim a estampa seiscentista. Era uma
típica alegoria rosa-cruciana daquele período, tão rico de mensagens em código,
destinada aos membros da Fraternidade. Representava evidentemente o Templo dos Rosa-Cruzes,
onde aparecia uma torre da qual ascendia uma cúpula, segundo o modelo iconográfico
renascentista, cristão e hebraico, no qual o Templo de Jerusalém aparecia reconstruído
segundo o modelo da Mesquita de Omar». In Umberto Eco, O Pêndulo de Foucault, 1988,
Sicidea, Difel, 2008, ISBN 978-846-125-726-3.
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