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e cortesia de wikipedia
«(…)
Era por isso que o escriba do
Túmulo esperava todas as manhãs, não sem impaciência, a chegada dos
transportadores de água cujos pesados potes permitiam encher as enormes ânforas
de barro rosado, cozido de forma homogénea e recoberto com um vidrado amarelo-pálido
ou vermelho-escuro, dispostas nas ruelas da aldeia. ao abrigo de proteções a
fim de que a frescura do precioso líquido fosse preservada. Algumas dessas
ânforas tinham inscritos os nomes de Amenhotep I, de Tutmés III ou da
Rainha-Faraó Hatchepsut e serviam para recordar que os soberanos se preocupavam
com o bem-estar dos habitantes do Lugar de Verdade. O regulamento era rigoroso:
os carregadores despejavam a água pura, várias vezes por dia, em dois
reservatórios, um a norte da aldeia e o outro a sul. Os aldeões vinham buscá-la
com jarros para encherem as ânforas do interior cujo conteúdo utilizavam para
beber, se lavarem ou cozinhar. Não havia penúria desde a criação da confraria mas, pelo contrário, uma
abundância muito apreciada pela pequena comunidade que vivia numa zona
desértica.
Nomeado pelo vizir com a aprovação do
Faraó, o escriba do Túmulo estava sobrecarregado de trabalho. Competia-lhe
velar pela prosperidade da aldeia, preservar um bom entendimento entre os dois
chefes de equipa, pagar ao pessoal, manter o Diário do Túmulo, no qual anotava
cuidadosamente as ausências e os respectivos motivos, receber o material
necessário aos trabalhos e distribuí-lo e continuar a Grande Obra iniciada
pelos seus predecessores. Um trabalho assustador que não impedia Kenhir de se
entregar à sua distracção favorita: a escrita. Filho adoptivo do ilustre Ramosé
elevado à dignidade raríssima de escriba de Maet antes de morrer, Kenhir
herdara a sua bela casa, o seu gabinete e, sobretudo, a sua rica biblioteca
onde figuravam todos os grandes autores cujas obras copiara com a sua escrita
desajeitada e quase ilegível. Amador da poesia épica, compusera uma nova versão
de A Batalha de Kadesch que testemunhara a vitória de Ramsés sobre os hititas e
da luz sobre as trevas e entregara-se depois a uma reconstituição romanesca da
prestigiosa XVIII dinastia. Logo que se reformasse, Kenhir consagrar-se-ia à
redacção definitiva de uma Chave dos sonhos, fruto de pesquisas de longo
fôlego.
Um artesão procura-vos, avisou Niut a
Vigorosa. Não vês que estou ocupado? Quando poderei estar tranquilo nesta
aldeia! Quereis vê-lo ou não? Que entre, rosnou Kenhir. Ipui o Examinador, um
escultor da equipa da direita, era franzino e nervoso mas de notável
habilidade. Sabia domesticar a rocha mais renitente e nunca fazia má cara a um
problema difícil. Algum aborrecimento? Um sonho mau, confessou Ipui. Preciso de
vos consultar. Conte. Em primeiro lugar, o deus carneiro Khnum apareceu-me e
disse: os meus braços protegem-te, confio-te as pedras nascidas do ventre das
montanhas para construir templos. Era bastante assustador... Enganas-te, é um
excelente presságio. Eincarna em Khnum a energia da criação que constrói os
homens e dá aos artesãos a capacidade de dominarem a sua força. E depois! Depois...
É mais delicado. Não tenho tempo a perder, Ipu. Ou falas ou vais-te embora. O
artesão parecia muito pouco à vontade. Sonhei que fazia amor com uma mulher...,
que não era a minha mulher. Muito mau! Uma única solução: mergulha na água
fresca de um canal, de madrugada, e ficarás de novo em paz. Mas, diz-me...
Porque permaneceste na aldeia em vez de ires trabalhar no Vale dos Reis com o
resto da equipa? Levei oferendas ao túmulo do meu pai e a minha mulher está
doente.
Kenhir anotou os dois motivos,
considerados como válidos, no Diário do Túmulo. Ipui não merecia a terrível
designação de preguiçoso que teria arrastado graves sanções. O escriba do
Túmulo não deixaria no entanto de verificar as suas palavras, pois já não tinha
confiança em ninguém desde que um artesão dera como razão para a sua ausência a
morte da tia..., morta pela segunda vez. Logo que o escultor saiu da sala de
colunas que servia de gabinete a Kenhir, entrou Didia o Carpinteiro, um homem
de elevada estatura e gestos lentos. O chefe de equipa confiou-me um trabalho
na oficina, explicou, e pediu-me para vos recordar que os salários deviam ser pagos amanhã de
manhã.
O pagamento dos salários... Verificava-se
de vinte e oito em vinte e oito dias, inexoravelmente! O escriba do Túmulo e os
dois chefes de equipa recebiam cada um cinco sacos de espelta e dois sacos de
cevada, enquanto que cada artesão tinha direito a quatro sacos de espelta e um
de cevada. A isso juntava-se carne, vestuário e sandálias. De dez em dez dias,
Kenhir velava pela distribuição de óleo, unguentos e perfumes; e
quotidianamente cada aldeão era gratificado com cinco quilos de pão e de bolos,
trezentos gramas de peixe, várias espécies de legumes e frutos, leite e
cerveja. Os excedentes permitiam-lhes fazer trocas no mercado». In Christian
Jacq, A Pedra da Luz, A Mulher Sábia, 1995(?), Bertrand Brasil, ISBN
978-852-860-772-7.
Cortesia
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