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A
meu irmão
«Também
tu, meu irmão, inda aos vinte anos,
Dizes ao mundo teu extremo adeus!
Deixas-me só e partes!, os
arcanos
Vais da vida sondar aos pés de
Deus?
Inda há bem pouco aspirações
ridentes,
Despertadas ao sol da juventude,
Te apontavam futuros
resplendentes
De mil glórias, de amor e de
virtude.
Há pouco em devaneios tão
risonhos,
Cantavas em sentida poesia
As meigas ilusões, dourados
sonhos
Que te adejavam sempre à fantasia.
Há pouco tu julgavas do horizonte
Ver dum belo porvir sorrir-te a
aurora,
Bem como a áurea luz c’roando o
monte,
Do Sol precede a chama animadora.
Tudo isso era ilusão, simples
quimera,
Que aos vinte anos sonhamos
acordados;
Curta página a sorte te escrevera
No grande livro incógnito dos
fados
E enquanto descuidado te
entregavas
Aos sonhos da exaltada fantasia,
Sob a flores vereda que trilhavas
A morte, a fria morte, se
escondia!
Tu viste uma por uma emurchecerem
As mais viçosas flores da tua
vida;
E as esperanças seu verdor
perderem
Com a aridez da existência
desflorida.
E a vida te pareceu áspero
deserto,
Assim desguarnecida de ilusões,
De
laços materiais cedo liberto
Remontaste às celestes regiões.
Não te lamento, irmão; a tua
sorte,
Ao que padece, inveja só produz;
Porque às trevas finais da hora
da morte
Seguem-se anos sem fim de imensa
luz.
Eras justo, no Céu gozas a palma,
Que ao mundo, aqui debalde
pedirias,
E os anjos acolheram a tua alma
Num coro de suaves harmonias.
Mas eu, que te amei, p’ra quem tu
eras
Mais que irmão, mais que pai,
mais que amigo,
Eu, a quem desde infante
ofereceras,
P’ra suprir o de mãe fraterno
abrigo.
Mais infeliz fui eu; junto a meu
lado
Vago está o lugar que
abandonaste.
Vivo só, com as saudades do
passado,
Do tempo que de encantos
povoaste.
Nesta acerba aridez do meu
presente
Recordo-me da vida que passou,
E bem vejo que a sorte fatalmente
Na vida do infortúnio me lançou.
Como a do nauta desditosa sorte,
Que o mar arrosta em tormentosa
viagem,
E viu nas ondas que enfurece a
morte
Sucumbir todo o resto da
equipagem;
Tal o destino meu; entrei no
mundo
E saudei-o com hinos de alegria;
Nos êxtases dum júbilo profundo,
O dom da vida a Deus agradecia.
[…]
In
Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho), Poesias, 1859, Publicações Europa-América, 2010, ISBN 978-972-104-585-9
.
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