Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Desde que o cadáver do
marido fora trazido da frente para o navio-almirante, a jovem Rainha de trinta
e dois anos nunca mais o abandonara. Um cadáver martirizado, atingido por
vários ferimentos mortais, que a mumificação deixara aparentes por ordem de
Ah-hotep. Não queria apagar os vestígios da coragem de Seken, que se batera
sozinho contra uma horda de hicsos antes de sucumbir. A sua bravura cerrara as
fileiras dos egípcios, aterrorizados pelos carros de guerra puxados por
cavalos, uma arma nova e temível. Proveniente de uma família pobre, Seken
apaixonara-se perdidamente por Ah-hotep, que admirava aquele ser puro e nobre,
ébrio de liberdade e pronto a sacrificar a vida para devolver ao Egipto a sua
passada grandeza. De mãos dadas, Seken e Ah-hotep tinham enfrentado múltiplas
provas antes de poderem atacar as posições hicsas a norte de Tebas e começar
assim a alargar o cerco.
Ah-hotep tivera a ideia de criar uma base secreta onde os soldados do exército
de libertação seriam preparados para o combate e confiara a Seken a tarefa de
concretizar o projecto. Como Rainha do Egipto, fora Ah-hotep a reconhecer Seken
como Faraó, uma pesada função da qual ele se mostrara digno até ao último
suspiro. Embora o Império das Trevas tivesse feito da existência do par real um
caminho de lágrimas e de sangue, Ah-hotep recordava os raros e intensos
momentos de felicidade partilhados com Seken.
No seu coração, permaneceriam
para sempre a juventude, a força e o amor. Parecendo extremamente frágil, a
Rainha-Mãe Teti, a Pequena,
desceu ao túmulo onde a filha meditava. Sempre impecavelmente vestida e
maquilhada, a idosa dama lutava com obstinação contra a fadiga surda que a
obrigava a fazer uma longa sesta e a deitar-se cedo. Abalada pela morte do
genro, receava que Ah-hotep já não tivesse a energia necessária para sair do
seu sofrimento. Deverias alimentar-te sugeriu-lhe. Como Seken é belo, não é
verdade? Temos de esquecer os seus horríveis ferimentos e pensar apenas no
rosto orgulhoso e determinado do nosso Rei. Ah-hotep, tu hoje és a soberana do
país. Todos esperam as tuas decisões. Fico ao pé do meu marido. Velaste-o de
acordo com os nossos rituais, a mumificação terminou. Não, mãe, não...
Sim, Ah-hotep. E compete-me a mim
pronunciar as palavras que receias ouvir: chegou a hora de proceder à cerimónia
dos funerais e fechar o túmulo. Recuso. Tão frágil frente à magnífica jovem
morena de fascinante encanto, Teti, a
Pequena, não cedeu. Comportando-te como uma chorona, trais o
Faraó e tornas o seu sacrifício inútil. Agora, ele deve viajar para as estrelas
e nós continuar a luta. Dirige-te a Karnak onde os sacerdotes farão de ti a
incarnação de Tebas a Vitoriosa. O tom imperioso da mãe surpreendeu Ah-hotep e
as suas palavras trespassaram-na como outras tantas punhaladas. Mas Teti, a Pequena, tinha razão. Sob
poderosa escolta e acompanhada pelos dois filhos, Kamés de catorze anos e Ahmés
de quatro, Ah-hotep apresentou-se no templo de Amon de Karnak onde os
ritualistas não cessavam de cantar hinos pela imortalidade da alma real. Desde
a ocupação hicsa que Karnak não beneficiava de qualquer ampliação. Protegido
por uma cerca, o templo era composto por dois santuários principais, um de
pilares quadrados e outro de pilares em forma de Osíris que proclamavam a
ressurreição do deus assassinado pelo seu irmão Set. De acordo com uma
previsão, a capela contendo a estátua de Amon, o Escondido, abrir-se-ia
por si mesma se os Egípcios conseguissem vencer os Hicsos». In
Christian Jacq, A Rainha Liberdade, A Guerra das Coroas, ISBN
978-852-861-216-5, Bertrand Editora, 2006, ISBN 978-972-251-281-7.
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