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O
Guardador de Rebanhos
«(…)
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o
costume de andar pelas estradas
Olhando
para a direita e para a esquerda,
E de, vez
em quando olhando para trás...
E o que
vejo a cada momento
É aquilo
que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei
dar por isso muito bem...
Sei ter o
pasmo essencial
Que tem
uma criança se, ao nascer,
Reparasse
que nascera deveras...
Sinto-me
nascido a cada momento
Para a
eterna novidade do Mundo...
Creio no
mundo como num malmequer,
Porque o
vejo. Mas não penso nele
Porque
pensar é não compreender…
O Mundo
não se fez para pensarmos nele
(Pensar é
estar doente dos olhos)
Mas para
olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não
tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na
Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque
a amo, e amo-a por isso,
Porque
quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe
por que ama, nem o que é amar...
Amar é a
eterna inocência,
E
a única inocência não pensar...
Ao
entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo
de soslaio que há campos em frente,
Leio até
me arderem os olhos
O livro de
Cesário Verde.
Que
pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava
preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo
como olhava para as casas,
E o modo
como reparava nas ruas,
E a
maneira como dava pelas coisas,
É o de
quem olha para árvores,
E de quem
desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a
reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso
ele tinha aquela grande tristeza
Que ele
nunca disse bem que tinha,
Mas andava
na cidade como quem anda no campo
E triste
como esmagar flores em livros
E
pôr plantas em jarros...»
In Alberto Caeiro, Poemas Completos,
Fernando Pessoa, Editorial Presença, 2000, ISBN 978-972-232-422-9.
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