A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
Zarita
«(…) A mãezinha teria desejado
isso, disse-lhe. Ela teria ficado horrorizada com a morte do mendigo e
providenciaria para que a esposa deste fosse cuidada. Alguns momentos se
passaram antes de Garci responder. Você tem razão, disse. A sua maizinha teria
feito o que você diz. Irei com você procurar essa pobre mulher. Garci sabia que
o paizinho não podia tomar conhecimento de nossa expedição, portanto esperamos
até uma tarde quando ele estava ausente, visitando a casa do pai da condessa
Lorena nas colinas vizinhas. Tive o bom senso de me vestir com simplicidade,
sem usar roupas finas nem jóias, e cobrir completamente o cabelo e o rosto.
Mas, antes mesmo de chegarmos aos arredores das barricadas da cidade, Garci quis
voltar. Essas favelas não são lugar para uma pessoa decente, disse-me. Mesmo
assim, pessoas decentes devem viver aqui, retruquei. Ou você acha que a pobreza
torna uma pessoa indecente? Essa era uma das frases da maizinha; ela defendia
sua caridade a meu pai quando ele declarava que, na sua opinião, os pobres
causavam infortúnio a si mesmos. Garci não respondeu; apenas fez um ruído
estalando a língua para demonstrar sua desaprovação. Estou fazendo um acto de
caridade, acrescentei para acalmá-lo, e então lembrei-lhe: Minha mãe teria
aprovado. Ah, sua mãe, disse Garci. Ela era a mais bondosa das mulheres. Suspirou,
e eu soube que havia lágrimas nos seus olhos.
Depois disso ele se tornou mais
submisso, batendo de porta em porta para perguntar sobre o paradeiro de uma
mulher doente que agora devia estar sozinha, mas anteriormente tivera marido e
filho cuidando dela. Contudo, não achamos qualquer vestígio da mulher. Um
grande número de portas permaneceu fechado para nós, e as pessoas que abriam as
suas eram hostis e desconfiadas. Finalmente, Garci parou no meio da rua. É inútil,
afirmou. A mulher do mendigo pode estar em qualquer aposento deste emaranhado
de construções, doente demais para se levantar e atender nossas batidas à
porta. Havia uma velha senhora sentada num batente. Fui até lá e me ajoelhei
diante dela. Mãe, falei. Ela me olhou com leitosos olhos brancos de extrema
velhice. Eu não tenho filha, rebateu. Tive três excelentes filhos, mas foram
para a guerra e nunca mais os vi. Eu lhe chamei de mãe porque não tenho uma,
disse-lhe baixinho. A velha estendeu a mão nodosa e tocou a minha.
Perguntei-lhe se conhecia alguém que pudesse ser a mulher que procurávamos. Não
conheço tal pessoa, respondeu. Desesperada, sentei-me sobre os calcanhares. Então
tateei dentro da bolsa, tirei uma moeda e lhe dei. Ela escondeu-a numa dobra da
roupa, e fiquei imaginando quantos dias de pão ela teria com aquilo. Ao me
levantar, a velha ergueu a cabeça e informou: Talvez haja alguém que possa
ajudar. Há um homem, um médico, que mora na casa do fim da rua. Ele cuida de
quem está doente, mas não tem dinheiro. Caminhei rapidamente para a casa que
ela indicou. Mas, quando chegamos perto da porta, Garci recuou. É a casa de um
judeu, disse ele, e se benzeu. É a casa de um médico que pode nos ajudar, retorqui.
Um homem abriu a porta da frente e permaneceu na entrada. Porque estão parados
na rua olhando para a minha casa? Garci pôs a mão no meu braço para me afastar
dali. O homem pareceu se divertir com isso e fez menção de voltar para dentro.
Falei rapidamente: Estou procurando uma mulher, uma mulher em particular, que
está doente. Informei tudo o que sabia sobre a esposa do mendigo». In
Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record,
2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.